O
PRESÉPIO DE SEMPRE
Sempre tive uma santa simpatia por Sua
Santidade.
Acho-o simpático, pequenino com as orelhinhas bem postas, aquele risco de pente
ao lado, ar de betinho, rosto de menino feliz que aguentou uma manhã inteira
com vontade de fazer xi-xi e o conseguiu, sem molestar o professor, sorriso de
felicidade e paz interior e sem esquecer aqueles sapatinhos que se adivinham,
de marca, espreitando as saias brancas de Omo, pequeninos e vermelhos.
Nada tenho também contra o dezasseis, um bom número, que não aquece nem arrefece,
onde ninguém da família faz anos e que, como terminação me fez ganhar há muitos
anos, o sexto prémio do concurso “Tapa-Chuva”, com direito a ouvir o nome
na televisão, ainda a preto e branco, um conjunto de gabardina que se enfiava
dentro da gorra e último grito, da primeira loja de pronto a vestir unisex, ao
cimo da Rua Direita. O prémio foi um fato, calças, casaco e colete, feito pelo
Traguil, a quem pagaram dois mil escudos. O fato, embora em meu nome, foi para
o meu pai, sempre levava mais fazenda e se ele pagou o “Tapa-Chuva”, estava no
seu direito, até porque bem necessitado andava, de dar descanso ao cinzento de
risquinhas brancas, e apresentar nova fatiota na missa do meio dia em São Lourenço.
Prefiro o Benedito, como lhe chamam os Espanhóis .
É um nome mais de acordo com a sua figura de menino com coisas para dizer no
recreio.
Concordo com ele em tudo e vou continuar a concordar, enquanto interferir nesta
calma silenciosa, sem mexer.
Tal como há governos de transição, também há Papas de transição.
O seu desmentido sobre o fim do mundo em Dezembro, foi um acto de tranquilidade ouvido por poucos, tal a importância do assunto.
Tem também a minha total aprovação no que
diz respeito ao presépio, afinal como pode o
rei dos reis, ser aquecido pelo mau-hálito de uma vaca, ainda por cima,
deitada?
Nunca é tarde para tornar os locais
dignificantes conforme a importância de cada um.
Era já tempo de alguém se debruçar sobre
um tema de tanta prioridade e preocupação.
Benedito XVI fê-lo, e por isso me resulta
simpático, um querido mesmo. Um homem que sabe olhar de frente os problemas do
nosso mundo e que os enfrenta com coragem, alguém que finalmente soube olhar
para o presépio, dando-lhe ordem no mais importante que o mesmo representa, e
no que representa o nascimento de quem veio trazer um novo mandamento ao mundo.
Um livro que editei na década passada, “Três Contos Trípteros”, ainda com
alguns exemplares, julgo eu, perdidos nas livrarias, já tentava dar um toque de
imaginação ao problema pois, defendia eu então, e assim continuo a pensar, que
Jesus teve uma infância de classe média e isso de ter nascido pobre, um consolo
para todos os que assim nasceram de verdade.
Ser filho de um carpinteiro, era um privilégio, quando eram de madeira desde os
utensílios domésticos até aos meios de transporte.
Sabemos que foi de turismo religioso a Jerusalém, pelo menos duas vezes,
passeou com a família pelo Egipto e se nasceu num palheiro, foi porque estavam
esgotadas as camas das hospedarias... bateu a várias portas e
estavam com o cartaz de completo.
Mas essa teoria está no livro que vos digo e que só não recomendo porque pode
estar esgotado.
Quero apenas referir, que sempre que pensamos, temos o direito de imaginar e se
imaginamos diferente, é porque fomos capazes de pensar diferente também.
Foi o que fez Benedito e zás, aqui vai a minha história e, tem lógica a sua
história e o livro de Benedito, por exemplo no caso do burro, embora fosse o
que transportava Maria, também não pode estar metido aí dentro, num mesmo
espaço, numa falta de higiene abusiva, isto para não falar de outros problemas
de visualidade excessiva e pouco apropriada à presença de senhoras e sobretudo
de crianças curiosas.
Contentes ficaram os habitantes deste lado
do rio, para quem a Espanha existe desde os primórdios do tempo, bandeiras
tricolores em qualquer cantinho da Península Ibérica, bandoleiros, toureiros,
guardas civis de tricórnio, todos a falar espanhol da Real Academia com o
Instituto Cervantes vigilante e obviamente, com sevilhanas tocando castanholas
desde o paleolítico.
Ficaram felizes, quando Sua Santidade
apostou na possibilidade de os Reis Magos serem Andaluzes e sendo Andaluzes,
passaram de imediato a espanhóis também, que isso de mouros foi há uma
catrefada de anos, tantos que já ninguém se lembra e ai de quem se lembre.
Houve assim alterações nos presépios das
duas margens, sendo no entanto maiores na margem oriental do Guadiana.
Os touros negros com farpas amarelas e
vermelhas e as sevilhanas de boa perna, vestidos às bolas, flor e “peineta” no
cabelo e castanholas no ar, que repousavam sobre os frigoríficos desde que os
plasmas com dtd substituíram as televisões de sempre, saltaram do
frigorífico para o presépio.
A sevilhana, na comitiva dos amigos magos
andaluzes e o touro, ao pé da vaca deitada em frente à árvore que tem sempre
que haver em qualquer presépio espanhol, a que chamam Belém, mesmo que lhe
metam a Torre Espanta Perros ou as Portas de Palma de Badajoz, que esconda o
“caganer” catalão exportado pelo Natal, a que chamam Navidad, a toda a
geografia ibérica. Aquela figurinha de rabo de fora e sentado, fazendo o que
tem que fazer a diário qualquer mortal, e porque o “caganer” passou a ser
obrigatório e os rabos públicos, há para todos os gostos, ideologias ou clubes,
gordos, magros, das figuras políticas ao futebol, desde Rajoys a Messis de rabo
ao léu.
No da minha casa, ou não viva eu neste limbo ibérico que é a raia,
tenho um Zé Povinho, que para além de agachado, calças pelos joelhos e mais não
digo por pudor e mau cheiro, faz um manguito à Bordalo.
Nestas misturas de touros com farpas,
caganeres, sevilhanas e reis magos, com alturas variadas, as proporções não
constituem qualquer problema, habituados como estão às grandes dimensões dos
osbornes hasteados, plantados nas estradas do sul.
Já os presépios da margem ocidental do rio
são diferentes.
Obedecem ao mesmo
plano arquitectónico, de quando a arquitectura repetitiva estava
dividida em Planos,coisas do estado novo, em que havia o Plano dos Centenários
para as escolas, o Plano dos Cantoneiros para os quartéis, erguidos nas
estradas principais para os trolhas fardados e com divisas, que usavam a pá e a
picareta como arma e chamo-lhe eu, o Plano Piramidal para tudo o que fossem
altares domésticos, dos santos populares aos presépios caseiros.
Tratava-se de colocar caixas sobrepostas
em pirâmide, cobertas com musgo e com a figura de referência no vértice
superior. No caso dos presépios, as figuras eram colocadas numa linha vertical
onde tinha no cimo uma estrela, por baixo um anjo, abaixo do anjo um galo, por
baixo do galo O Menino nas palhinhas e aqui, começava a distribuição simétrica,
a Virgem e a vaca de um lado e o São José e o burro do outro.
A partir deste degrau, era uma explosão de
figurinhas que escorregavam como lágrimas musgo abaixo, ovelhas, pastores,
patos e pontes, sem nunca esquecer a farinha para as estradas sem cantoneiros e
a prata dos chocolates ou dos Definitivos, Porto, Sintras e ventis para as
fontes, lagos e rios.
Apenas houve um pormenor, em que, caso Sua
Santidade não se importe, me permito discordar, por acreditar que devemos
sempre colorear um pouco a imaginação quando a pretendemos transmitir aos
outros, e se possível por forma a que as melhores tintas sejam para as melhores
personagens. Não me parece bem que o Menino, no livro sobre a sua infância já
nas livrarias, apareça sem fraldas e com algo semelhante a uma mortalha. Se
fosse eu a ter escrito sobre a infância de Jesus, mesmo que os meus estudos de
teologia me dissessem o contrário, enfiaria aí uma mentirinha, que desde que piedosa
nunca fez mal a ninguém. Se até já tivemos quem mudasse o nome de Poço para
Fonte, lá para Boliqueime, essa terra de outros mouros, por uma questão de
dignidade no nascimento, mal não vinha ao mundo que o nosso querido menino
tivesse umas fraldinhas.
Penso que Sua Santidade, já que estudou,
pensou, imaginou e mudou tanta coisita, poderia ter dito a todos que O Menino
Jesus, tinha fraldas sim, em vez dessa espécie de mortalha.
Tinha umas dodotes, azuis e descartáveis,
das boas.
Um bom Natal.
Aragonez
Marques
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