miércoles, 26 de febrero de 2014

CRÓNICA DE FEVEREIRO / JORNAL FONTE NOVA / ESTA MALTA PISGA-SE...




ESTA MALTA PISGA-SE…

Preocupam-nos hoje os jovens, como certamente preocupámos os nossos pais, embora tivéssemos um caminho mais fácil, cujo fim nos recompensava mais cedo ou mais tarde dos passos que se iam dando. Hoje vemo-los ir e parece-me, que foi pensado este roubo de futuro pela mão da Europa, e quem sabe, já não digo nada, se os Erasmus não fazem parte deste plano conivente, deste paguem-lhes a formação, que nós agradecemos a sua rentabilidade. Nesta sociedade não gerida por pessoas de bem, acabamos por ser obrigados a andar com a pulga atrás da orelha, e a desconfiança em quem deveríamos confiar, é generalizada transversalmente a todas as classes (porque as há), profissões (cada vez menos), amigos ( poucos cada vez mais) e idades (cada vez mais rápidas a passar). Depois, numa confusão brutal olhamos e exageramos o medo de praxes, como se todos os jovens fossem “Duxes” e todos, sem excepção, tivessem dinheiro para pagar propinas e ainda lhes sobrasse para trajes académicos. Agora o que sinto e me entristece e assusta é dar-me conta, dia a dia, que estes meninos do governo, parafraseando Lobo Antunes, são os filhos da geração que fugiu para o Brasil ou perdeu as mordomias de África. Estudaram lá fora ou em colégios privados classistas, vendo Abril como o mal dos seus progenitores e hoje, sem a mais punheteira ideia, em plano de ajuste de contas, mesmo vingativas e sujas contra todas as conquistas que outros pais da geração dos seus conseguiram, com muita coragem, para os seus filhos (julgavam), aproveitam o poder que lhes colocaram nas mãos infantis, mas cruéis. Vinga-se a Alemanha da Europa através desta juventude, filha da direita órfã da ditadura. Cobram através dos netos de Salazar, dos netos de Franco, e se o conseguirem, baterão também na França das ideias e da resistência, na Itália da boémia e do romantismo, na Irlanda que disse não e da Grécia, que morderam e não largam, raiz de uma civilização organizada, onde o latim e o grego, não são línguas mortas, mas apenas adormecidas.
Talvez por tudo isto, esta crónica do mês, se vire para realçar um grupo de jovens, daqueles que ainda se entregam à vontade de mudar o mundo, nem que seja, o pequeno mundo onde vivem.
Entregaram-nos uma peça em branco de um puzzle, uma por sala, várias por escola e pediram-nos que as crianças as pintassem com imaginação.
 O tema;  Amor.
Depois de pintadas, por meninos e meninas de todas as escolas de Campo Maior as peças foram entregues na Biblioteca Municipal.
Um autocarro da Câmara foi buscar-nos à escola no dia 14, e ao chegarmos à Biblioteca, a surpresa esperava-nos.
As peças, num profundo e lógico sentido formavam um grande coração que era em si mesmo o cenário do teatro com que a Ana Diabinho, a Paula Rodrigues, a Fátima Gaminha, a Diana Rabaça, a Andreia Carvalho, o José Marchã, o Rui Candeias e a Sónia Ribeiro nos presentearam oferecendo-nos ainda como cereja no cimo do bolo, um bailado, onde a elegância e a graça estética da Rita Antunes, deslizando em pontas nas suas sapatilhas de muitas horas de trabalho, nos enterneceram.
Quis saber o nome destes jovens, que a Câmara aproveita como recurso local e o fotógrafo, o Pedro Nicolau, mostrando a sua cumplicidade, ainda durante a tarde me enviou os nomes e uma série de fotografias.
Senhora Vereadora da Cultura Isabel Raminhas, você tem muita sorte de contar com esta rapaziada e muito mérito por nos deixar sentir que a juventude está viva e muito distante das águas do Meco.
Sinto-me na obrigação de agradecer, do alto da minha escola embrenhada nas metas e objectivos das cargas de matemática e linguística formal, formatizada por acordos de ortografia obrigatórios, ameaçada por exames e avaliações destruidoras do trabalho em grupo, no privilégio (dizem) da individualização, da competitividade, espaço cinzento e sem brilho, sem gosto e sem festa, por nos terem oferecido aquilo que falta à escola actual: Arte, Criatividade e Amor.
Acarinhemos estes jovens, últimos filhos de uma escola hoje amordaçada e apenas com meia dúzia de resistentes. Se o não fizermos, partirão, num misto de duas canções de Zeca Afonso, eles comem tudo e ei-los que partem, e mesmo que o ultimo a sair não apague a luz, não importa, já estará tudo às escuras como a cegueira de Saramago.
Eles pisgam-se, e que autoridade moral temos nós, permissores desta invasão de assaltantes do país, observadores impávidos e serenos, imóveis, silenciosos, acomodados, sentados como a nêspera da cadeira do poeta, esperando ser comida, cagados de medo, para vergonha dos nossos egrégios avós, contra os canhões marchar, marchar, para lhes dizermos que o não façam?
Esta malta pisga-se… e só ficaremos os cotas, sem reformas e sem filhos.
Se não acariciarmos estes putos grandes, para que pelo menos regressem, restam-nos os bancos do jardim.



sábado, 22 de febrero de 2014

ADIADO PARA MAIO / CULTURA À SOLTA EM CAMPO MAIOR

Depois de reunião de dia 24 com a Câmara Municipal de Campo Maior, foi decidido o Mês de Maio para a realização do encontro, ficando o dia dependente dos escritores e do músico participante. 
Podemos adiantar a exposição a realizar em paralelo de aguarelas do pintor César Caldeira.
Logo que esteja concertada a data, serão dadas notícias e divulgado o programa..
Vai ser, assim se espera, uma noite cultural mágica e em família.


 Noite de letras e música em Campo Maior, com a presença do escritor Rui Cardoso Martins
que apresentará uma conferência sobre: O Amor na Literatura




Aragonez Marques que fará a última apresentação pública do livro
 "Retratos de Gente em Procissão" orientando a tertúlia para a memória da região nas décadas de 70/80.






O músico Dio e outra figura do meio artístico,(ainda nao confirmado), tocarão músicas da década de 70/80




 Mais notícias muito em breve...

viernes, 21 de febrero de 2014

NESTA FASE DA VIDA RECEBER UM POEMA ASSIM É UM PRIVILÉGIO


Sin estrella en el cielo, de luna lleno,
Naufrago entre las ruinas de este universo.
En la playa del mundo pintas tus versos
Con la tinta encarnada de tus recuerdos.

Tatuadas en tu pecho seis amapolas
Que proteges del viento si las asola.
Margarita del campo, yo sólo quiero
Ser deshojada siempre entre tus dedos,
Con calma sabia,
 con la savia que vence todos mis miedos.

Es tu boca un geranio del Alentejo
Que en el balcón del sueño susurra besos.
Verdes, tus ojos verdes, blanco el sombrero,
Yo sólo soy quien soy porque te quiero.

                                     14 febrero 2014


                                                           Amelia.

jueves, 20 de febrero de 2014

FIQUEI COM O CHAPÉU DO MEU AVÔ


O meu avô José Marques, pintor Portalegrense e eu. 
O chapéu é o mesmo.
 Só o chapéu.
 Como as crianças pequenas que calçam os sapatos da mae, assim me sinto eu, feliz, com o chapéu do Senhor Marques, artista e bom homem, que o digam entre muitas outras obras as colunas e uma janela a imitar mármore do Paço Episcopal, da Diocese de Portalegre e Castelo branco, que pintou já com mais de oitenta anos, depois do Bispo ter rejeitado o trabalho feito por artista estrangeiro que veio e fracassou.
 Foram buscá-lo a casa, já reformado. 
E ele lá foi apesar da idade. 
Quando foi para cobrar, fez contas à hora, como de uma parede se tratasse. 
Conta a lenda familiar, que o Bispo, admirado lhe ofereceu o dobro e ele respondeu, horas são horas, Senhor Bispo, dê o que sobra aos pobrezinhos.
 Caramba, esta família nunca teve jeito para os negócios.



miércoles, 19 de febrero de 2014

NOVO CHEIRINHO " A MULHER DO SARGENTO ESPANHOL" / EXCERTO DO 5º CAPÍTULO



5.
 A morte de Glorieta Esteves



Glorieta
 Esteves começou a sentir um frio paralisante nos dedos dos pés. Depois esse gelo mole e etéreo começou a subir-lhe pelos tornozelos até aos joelhos. 
Às seis horas e quarenta e cinco, já lhe tinha chegado ao ventre e lentamente, continuava a subir arrefecendo-lhe os dedos das mãos, numa paralisia fria que a impediu de carregar no botão da pêra com a campainha, para chamar alguém. Antes das oito horas, estava gelada e tesa até ao pescoço e apenas podia mover a boca e os olhos. Exatamente às oito horas e doze minutos, estava completamente paralisada, sem qualquer sensação de dor e nem as pálpebras conseguia fechar, pelo que começou a dar-se conta de que deveria estar morta.
Sentiu a freira entrar na camarata e chamá-la, Senhora Glorieta, Dona Glorieta, Glorieta. Não foi capaz de responder. Sentiu que lhe tocavam no pulso e que lhe encostaram a cabeça ao peito e que lhe puseram dois dedos na garganta, mas não conseguiu dizer nada, mesmo quando as companheiras da camarata a olhavam entristecidas, o Padre lhe fez uma cruz na testa e a Madre Superiora suspirou, paz à sua alma, enquanto com o polegar e o indicador lhe fechou as pálpebras.
A partir daí deixou de ver e apenas ouvia.
Antes do meio-dia chegaram as filhas.
Mariana, Clara e Branca.
Beijaram-na, afagaram-na e pentearam-na. O genro também estava, sentiu-lhe os lábios quentes na testa fria e o afago na cara. Vou para fora fumar, disse Carlos Fagundes Fonseca enquanto a mulher e as irmãs a despiram, a lavaram e a vestiram de novo com roupas que tinham trazido. Sentiu, ou pelo menos assim lhe pareceu, que poderia mover o dedo gordo do pé e que tal seria um sinal para que as filhas soubessem que não estava assim tão morta, mas perdeu todas as esperanças quando lhe calçaram uns sapatos novos, a que tiraram o preço, acabados de comprar na sapataria do Cunha. Cortaram-lhe as unhas e sentiu o cheiro do verniz quando as pintaram, juntaram-lhe as mãos e ataram-nas para que se mantivessem naquela posição de prece, até à eternidade, com um terço enrolado nos dedos e Clara e Branca, puseram-lhe pó de arroz no rosto, uma ligeira sombra nos olhos e um pouco de pintura carmim nos lábios.
Deixaram-na preparada para a sua última viagem, tão bonita como quando esteve presente no casamento de Mariana.
Antes do almoço chegou o Nogueira da funerária e passaram-na para uma urna almofadada. Glorieta sentiu-se bem e aliviada, pois não fora preciso abrir com picareta nenhuma porta e muito menos ser baixa, como a irmã, com cordas da varanda e apenas sabia estar morta porque não necessitava de respirar.
Ouviu perfeitamente o ruído dos gonzos a fechar a tampa e o enrolar de uma chave na fechadura. Sentiu que a levavam pelo ar e a depositaram num sítio plano, ouviu um motor a diesel e soube estar a caminho. Ergueram-na de novo, pousaram-na, e sentiu novamente a chave, os gonzos e a tampa que se abria.
Estava na igreja da sua terra.
O cheiro a cera de velas assim o indicava.
Colocaram-lhe um pano sobre o rosto e sabia haverem flores porque o perfume a envolvia.
Começou a chegar gente.
Sentia os passos no ranger do soalho e no eco da abóbada. Tiraram-lhe o lenço do rosto e uns afagavam-lho, outros colavam os lábios húmidos na sua cara fria, outros limitavam-se a tirar o lenço, olhar como para confirmar se era ela e colocavam-lho outra vez sobre a face.
Depois de jantar, foi quando veio mais gente. Sentia-o pelo murmurar cada vez mais alto dos presentes e às vezes detetava alguns risos de adolescentes.
Com o passar das horas apenas foram ficando os mais próximos e o silêncio passou a ser maior, tirando o ressonar de Carlos Fagundes Fonseca, que cabeceava por falta de hábito a noitadas desde que casara.
Amanheceu igual, como sempre, como se a natureza valorizasse pouco o desaparecimento de uma vida.
Às dez horas, ouviu-se o velho Padre Cabral falar da amiga que os deixava, do conforto que encontraria junto do Senhor e dos seus Anjos e depois de dar a comunhão, pediu um Pai Nosso pela alma da irmã Glorieta.
Daí saíram, depois do eterno adeus e da chave que rodou ter sido entregue a Mariana como filha mais velha.
Baixou à terra com duas cordas e oito braços que a fizeram balançar e sentiu o ruído da terra sobre a tampa da urna.
Assim morreu Glorieta Esteves sem saber ao certo se estava morta.

                                                     (…)

In a Mulher do Sargento Espanhol
... a publicar em breve...



martes, 11 de febrero de 2014

A MULHER DO SARGENTO ESPANHOL / ( Um cheirinho...)


Está quase terminado e corrigido o novo livro
A MULHER DO SARGENTO ESPANHOL

( Um cheirinho...)


(...)
Fernando Mata acabou professor por amor. Com 15 anos, viveu o seu primeiro romance de borboletas e água das pedras com a filha de um funcionário público. Com dois anos de mãos dadas escondidos nos jardins públicos, ou descendo e subindo as ruas lado a lado, confessaram um ao outro futuros eternos. Quando a escola do Magistério Primário se estendeu da capital de província para a capital do distrito, o sonho de ser professor mostrou-se fácil à carteira do pai que assim pôde mandar estudar os filhos sem necessidade de os deslocar. Maria Catarina, passou assim a usar bata branca e a juntar-se às cinquenta meninas que iriam dois anos depois ser espalhadas pelas escolas públicas do regime. Bastava-lhes naquele tempo ter um sentido rigoroso da moral, acreditar na trilogia Deus, Pátria e Família, usar meias de vidro e saias dois dedos abaixo dos joelhos. Calças nunca. O diretor tinha até o chefe dos contínuos autorizado, a que ao subir as escadas que levavam às salas de aula, pudesse beliscar as pernas das futuras senhoras professoras, com o objetivo de ver se tinham ou não meias e de imediato, caso tocasse as pernas nuas e firmes, comunicar à Direção, que neste caso era ele, o Diretor, nomeado por Diário da República em cargo perpétuo.
As meninas com namorado, tinham-nos todos em fila, de casaco, gravata e lenço no bolso, esperando a saída da escola a trezentos metros daí, numa linha de meta imaginária, frente à tasca do Capote na rua que baixava para o Café Alentejano, a sala de espera. As namoradas chegavam, e eles ali, sem dar um passo, que encurtasse a distância fixada. Uma ou duas com mais idade, já com casamento autorizado para os poucos meses que faltavam para a queima das fitas e a missa da praxe, podiam ser levantadas na porta como encomendas desde que os destinatários nunca entrassem no edifício, e sempre depois de uma autorização escrita do pai da menina entregue ao diretor, em papel azul, de 35 linhas, selado e começado sempre da mesma maneira: eu…abaixo assinado – e acabado também formatado, assinatura e data depois do:  Pede deferimento.
Aqui começaram os problemas de Fernando Mata.
O governo de Salazar, pai exemplar, acima de cada pai, foi quem criou a lei sobre as autorizações de casamento das senhoras professoras. Se lhes pagara a formação, e lhe pagava um ordenado sentia-se na obrigação e o pior era que no direito também, de as proteger. Havia que evitar a todo o custo a figura parasitária do marido da professora, que corrompia a moral e sem trabalho vivia de um ordenado que não era seu. Então, naquela ânsia de tudo ter bem atado, num novelo cuja ponta estava sempre nos seus dedos, o governo da nação proibiu o casamento das senhoras professoras com quem não tivesse um emprego digno, como, para eles, empregado de banco, funcionário público ou empresário com provas dadas e salários superiores e onde o casamento entre professores, senhor professor e minha senhora, era o mais autorizado, como também o era o de minha senhora e funcionário das finanças.
(...)

In A MULHER DO SARGENTO ESPANHOL
A editar em breve




jueves, 6 de febrero de 2014

O MISSIONÁRIO / Da GAVETA











BOAS LEITURAS !!!!

SINÓNIMA (CONTO INÉDITO)













BOAS LEITURAS!!

ANJOS NO TELHADO / DA GAVETA





Havia no telhado, mesmo no parapeito do mesmo, algeirós por baixo, um anjo sentado.

Quem o via, abria muito os olhos, certificava-se que não sonhava e ficava ali, a ver, e muitas eram já as pessoas que estavam ali, a ver, e o primeiro silêncio da noite que o sentou no beiral, era agora um ondular de vozes e dedos espetados para ele.

Tem asas, diziam, e pernas também, é branco. Não, é cinzento. Não, é creme, anjo? Perguntavam, coisa, pensavam, raro, compartiam, e raro mesmo, era não terem medo e permanecerem ali.

Uma voz atrevida, de um gordo fiado na estatura e robustez ouviu-se sobre o burburinho:

- He! Você!

Tratou-o como pessoa.

-Baixe daí, quer cair?

O ser manteve-se com a mesma postura e não respondeu, pernas para baixo na ponta das telhas.

Cair não cai, ouviu-se, tem asas é porque voa, e o bico? Não tem bico, não é pássaro, imaginemos que é alguém disfarçado, asas postiças, vindo de uma qualquer procissão, que perdera a fé e lutava contra o suicídio? Sim, que daquela altura, se anjo não fosse em breve se tornaria, para quem tem fé, para quem não tem, um corpo estatelado no chão, talvez ensanguentado, ossos partidos, certamente, com uma argola de gente em seu redor e ninguém que lhe tocasse, telemóveis muitos, entupindo o 112, pedindo que alguém viesse para lhe tocar.

- He! Você!

O ser abriu as asas, como eram grandes e brancas, enormes, tornando diminuto o corpo, e as gentes, deram um passo atrás com HÓS!, muitos HÓS!!..., cada vez mais altos, ecoando pelas paredes das casas do largo, olhando aquele ser aberto como um pavão, ameaçando voar mas cortejando primeiro.

Foi então que se ouviu um vento sibilino e uma aragem levantou os pêlos, por frio, admiração ou arrepio, das gentes que eram já multidão, e a lua ficou tapada e o som de um bater de asas  enorme ecoou e outro ser alado circundou o sentado, num volteio, numa circunferência aérea que ia diminuindo o diâmetro à medida que baixava, baixava, baixava até se sentar também no beiral ladeando o outro da sua espécie e perante a admiração dos curiosos que não tiravam os olhos do alto, encostaram as cabeças, numa terna carícia.

- He! Vocês!

Ambos abriram as asas, vum, vum, vum e voaram, voaram, voaram até serem pontos minúsculos perdidos nas estrelas pequenas e brancas que polvilhavam a noite.

Um Há! De admiração soou uníssono na rua do bairro.

Todos tinham assistido a um acto de amor, a um enamoramento ternurento de dois anjos brancos, ou cinzentos, ou cremes, ou... que importa?

Anjos e amor.

- Os anjos não têm sexo? Sim têm, só que por serem anjos, não demonstram as diferenças do seu género.

- Os anjos são gays papá?

Puxou a roupa da cama da filha.

Que história mais rara acabara de inventar e lhe acabara por contar.

Teria que reciclar o seu reportório,  teria que se reciclar a si próprio como pai,  jurou que no outro dia, bem cedo, iria à biblioteca municipal requisitar um par de livros do Walt Disney.

Boa noite. Que descanses.

E apagou a luz.

                                                                            Aragonez Marques
                                                                                      ... madrugada de 13/3/2010...

AS FERRAS / COISAS DA GAVETA.

As Ferras

Catorze? Quinze? Dezasseis anos? Foi por essa altura que decorriam “as ferras” de que vos falo.
Pediu-me a Noudar que escrevesse algo. Touros, o tema, ou Toiros, talvez nao saibam que se pode dizer de ambas as maneiras. Touros, mais campestre, mais rural, mais Alentejo, mais sol de praça, Toiros, mais cidade, mais finura, mais português de academia se academia houvesse, mais lugares à sombra.
Lembro-me, de cima deste meio século que tenho, de um barracao, onde se guardavam as alfaias agrícolas, que nesse dia, o dia da “ferra”, se transformava em grande salao de comidas e bebidas. Uma grande mesa ao meio, muitos cavaletes a suste-la. Toalhas grandes, de pano, algumas bordadas, sobrepostas nas pontas, esticadas, muitas, cobriam o tampo da enorme mesa e as patas dos cavaletes. Sobre elas, uma imensidade de pratos e iguarias. Nada de garfo e faca nesse dia, à mao, navalhas abertas e cortantes.Um exagero de comida que definia, às vezes por presunção, o lavrador que nao lavrava, o dono da terra, do barracao, das alfaias, dos cavaletes, das toalhas, dos pratos, das iguarias e dos toiros.Toiros. Que quem os cuidava chamava Touros.
Eram gentes de sol.
Por essa altura, teria o meu pai, que nos deixou há pouco tempo para sempre e cujo luto ainda nao tive tempo de fazer, pouco menos do que a idade que tenho hoje, e era pela sua mao, pois trabalhava nas veterinárias, que eu tinha contacto com esse dia, o dia da “ferra”.


Logo cedo, as vacas e os aprendizes de touro, eram metidas num redondel e contratavam-se “os forcados”, um grupo dos próximos, o de Portalegre, o de Sousel... que os de Alcochete, Vila Franca de Xira, Coruche ou Santarém, estavam destinados às “ferras” Ribatejanas, para agarrarem o gado, um a um, que depois de bem sustido e caído no chao, era alvo dos ferros em brasa que dormitavam com as pontas alaranjadas de calor, no  escaldante braseiro ateado pela manha e que durava enquanto houvesse vaca ou cria que nao fosse ferrado. Aproveitavam os donos essa imobilidade do bicho, e se agarrados uma vez, tudo se faria aproveitando o momento, nao só a “ferra” como a vacinaçao e a recolha de amostras de sangue para análise da brucelose, que nessa altura, amedrontava os bolsos dos ganadeiros, e era aqui, que aparecia o meu pai e entrava eu, catorze, quinze, dezasseis anos? Nao sei bem, mas que importa o tempo se tudo continua igual, ou parecido, só que eu, deixei de ser convidado, e agora, com o meu pai em viagem infinita e sem retorno, darei por encerradas presenças fisicas, e manterei apenas as memórias que partilharei com filhos, netos, amigos e com você.
Depois da “ferra” ( a vacinaçao e a prevençao de doenças) nao é mencionada na especialidade deste dia, apenas o ferro, a posse, o cheiro a carne queimada, o mugir agudo das reses...vinha a festa.
Mas nao é critica esta partilha consigo desta vivência juvenil, e nao o é, porque gostava, direi mais, adorava, e sabendo que ia acompanhar o meu pai, bem antes dele acordar, já eu estava desperto, excitaçao no corpo, e a enorme expectativa do dia diferente que iria nascer para mim.
Levávamos o velho Lange Rover dos Serviços Pecuários de Portalegre, a velha Intendência Pecuária de que o meu pai era funcionário, e o cheiro do campo misturado com o “pecuzanol” e o “tibenzol” dentro do gipe, os saltos do carro pela estrada de terra, os fatos de macaco brancos e aqueles amanheceres, ainda ocupam um espaço previligiado nos meus sentidos.
Depois do trabalho, seguia-se o almoço, manchando as toalhas com  nódoas de azeitona, molhos de cabrito, sopa de cachola,  pimenta que apaladava os queijos frescos (comidos antes das análises), e um sem fim de sobremesas desde o arroz doce até às “mousses” de todas as qualidades, cores e paladares.
Comia-se de pé. Todos sabíamos porquê, ou quase todos, pois os noviços de nada se precaviam. O meu pai, enquanto metia um panado na boca segurando com a outra mao o prato, dizia-me sempre “ nao tires os olhos dos portoes”.
Eram portoes grandes, capazes de engolir as ceifeiras debulhadoras, um em cada ponta do barracao, e entao, quando menos se esperava, entrava por um deles uma vaca brava, tao assustada como nós, correndo a caminho do outro portao, por onde entrava a luz e sabia que estava a liberdade. Quanto aos comensais, largavam pratos e copos, saltavam por cima das toalhas bordadas, entornavam jarros de pura cêpa, e as senhoras também, e as crianças que os pais arrebatavam num impulso salvador. Depois, quando a vaca saia, eram os risos, os comentários, o sangue que se aquecia com os copos que se enchiam, a festa da “ferra”.
Descansava-se depois por ali, debaixo dos sobreiros, as crianças andando de burro, as maes vigiando, os pais curtindo a pançada ressonando pelas sombras, debaixo das azinheiras ou protegidos pelas paredes exteriores do sítio da festa.
E às cinco horas, sempre às cinco, havia um encontro marcado no redondel.
Era o culminar.

As senhoras e as crianças recolhidas sobre as zorras dos tractores, ou das carroças de madeira fechadas em círculo. Os homens, os rapazes, como um ritual, adrenalina à tona, esperando a saída do novilho, as correrias à sua frente, os volteios, as fintas, os medos, os risos da assistência. Começava entao a aparecer no público, canas ao alto, rachadas nas pontas, com notas de escudo entaladas. Os moços, do grupo convidado, que utilizavam “as ferras” para treinos das corridas de verdade, com touros de verdade, sem nada receberem em troca do que o enaltecer da sua vaidade, faziam-se caros. Deixavam que mais canas com notas subissem ao alto, e quando contavam uma maquia interessante, saltavam para o redondel demonstrando bravura. Alinhavam-se em fila indiana,  o primeiro chamava o novilho, pé ante pé, pavoneava-se frente a frente com o animal. Batia-lhe as palmas, mais um passo curto, um salto chamativo, maos nas ancas, “ei, touro lindo”, “ei, touro, touro, touro lindo”, e o novilho arrancava, nobre, olhos fechados, como fechados ficavam os braços do forcado galopando na sua cabeça.. Depois saltavam-lhe em cima os restantes moços, desmanchando a fila, e um, o último a largar o touro, o rabojador, agarrado à cauda do touro e flectindo um joelho, contrário à perna esticada,  riscava um círculo no chao, como um compasso marcando a terra.
Recolhiam depois as notas das canas que se lhes apontavam, era a paga do seu esforço.
A sua bravura, a coragem que aparentavam, estava arroupada pela técnica, por muitas “pegas” repetidas, por muitas instruçoes passadas pelos mais velhos e concentradas no “cabo” do grupo.
Podem na praça, reencontrar-se com o animal da “ferra”, quatro, cinco anos depois, e aí sim, todo o trabalho aparece na montra da praça.
Também esses dias fazem parte da minha memória.


Tinha a sorte da corrida das festas da minha terra, durar para mim todo o dia. Enquanto começava para a maior parte do público às seis da tarde, todos os anos, religiosamente no dia 23 de Maio, Dia da Cidade de Portalegre, comemorando o foral que lhe foi outorgado pelo rei D.Joao III, para mim, começava às oito horas da manha, visitando os curros com o meu pai, verificando se os touros estavam em condiçoes, assistindo ao sorteio dos animais pelos representantes dos cavaleiros, à embolaçao dos touros, vendo as apostas feitas neste ou naquele animal.
Toda a manha   se falava da corrida da tarde, e curiosamente esse nao era para mim o melhor momento. Começava o crepúsculo  da festa,  e por cada hora que passava o final aproximava-se doentio. Depois da corrida, onde por decisao da lei portuguesa nao se matam os touros na praça, assistia com mágoa ao desenrolar dos bastidores. Já nao ia ao jantar dos toureiros, onde se cantava o fado. O meu pai levava-me para casa, mas um dia  vi.
Vi como sofriam os touros depois da corrida portuguesa.
 Sao colocados dois barrotes atravessados num curto corredor, um por cima e o outro por baixo do pescoço do touro, tornando-o num animal sem qualquer defesa. Sao-lhe depois arrancadas as farpas, com uma navalha que lhes retalha a carne e deixa a nú buracos disformes de carne viva. Depois, para que nao infecte (disseram-me), regam-se os buracos com creolina enquanto o touro berra e movimenta as partes traseiras sem sucesso de liberdade. Várias horas depois, o animal tem febres altas, e ou morre no matadouro doente e febril ou dizem, sao levados de novo para os prados onde se curarao ou nao. Nao sei. Fui testemunha do matadouro, nunca acompanhei a devoluçao do animal aos campos. Dizem que sim, que se curam, dizem até que sao novamente vendidos para serem corridos em praças pequenas em negócios fraudulentos e perigosos para os toureiros.
Talvez por isso, recorde “as ferras”, a alegria que sentia tao cerca do touro, ou toiro.
Sol e Sombra.






                                          Aragonez Marques- in Revista Noudar

domingo, 2 de febrero de 2014

UMA SURPRESA GOSTOSA


O meu amigo 
António Freire, 
homem de letras guardadas,
 presenteou-me dedicando-me

 a sua crónica desta semana
na sua coluna 
R(O)STOS DE ESPERANÇA
do
 " Semanário Alto Alentejo,
com o título
A "ESCOLA" DA VILA NOVA

Porque aqui deixo
 "As letras que Gosto",
 cá vai para quem não comprou.



Lia-se mal e solicitei ajuda 
à Lurdes Ribeiro e ao marido, Zé Mamede
 pois o meu scanner negou-se a colaborar.

Recebi o original que aqui publico, assim como a parte intima que 
o Zeca me enviou com ela.




Acabei por ter uma excelente tarde com estes amigos e com o Zeca de fundo.



UMA TARDE COM RECORDAÇÕES E PORTALEGRE NA MEMÓRIA.

Obrigado Zeca!