domingo, 10 de marzo de 2013

IMPRENSA, SERVIÇO, PERIQUITOS E FUTURO / CRÓNICA DE FEVEREIRO




IMPRENSA, SERVIÇO, PERIQUITOS E FUTURO


Quando a enfermeira disse que a chamada era para mim, pensei ser a família, mas não, dessa vez era um dos meus amigos, talvez o mais sacolas de todos, que me dizia “Eh Pá! Tás-te a fazer famoso, tens a tua fotografia espalhada pelas montras da Rua do Comércio!”, “Sempre o mesmo” respondi-lhe, “Que não homem, é verdade!”. A chamada caiu e não voltou a telefonar. Esqueci-me do tema, entre radiografias aos pulmões, análises e eletrocardiogramas, mas para ser sincero, às vezes, lembrava-me do assunto. Todos temos as nossas vaidades, e se gosto de toda a gente, umas mais do que outras como é evidente, mal não virá ao mundo, por gostar um pouco de mim e mentir às vezes, quando vou à cabeleireira (peluquera em Castelhano) da Roca de La Sierra, uma sala pequenina, com um espelho e uma cadeira para todo “el pueblo”, e peço no fim do corte que me coloque o espelho atrás, para ver como ficou, e digo, “más arriba”, pois o que me interessa não é ver como ficou, mas saber se não tenho ainda aquele princípio de calva masculina, que começa como uma coroa de padre, passa a touca redonda de monsenhor e só pode já ser disfarçada, se colocarmos na cabeça uma mitra de bispo.  “Muy bien”, ela pensa que é o corte e continua a fazer, num comportamento comum onde não há fronteiras, perguntas sobre a minha vida, tal como uma terapeuta ocupacional que conheci há pouco tempo e que no final do seu trabalho, sabia a vida e os porquês de todos os participantes, mas que ao contrário da “peluquera del pueblo” não tinha feito o trabalho que os doentes (pacientes) esperavam, mas precisamente o que não esperavam, tendo saído daí cabisbaixos, agora que em grupo, sabíamos as verdadeiras razões pelas quais estava internado cada um e que julgávamos, ser apenas do conhecimento do nosso psiquiatra.
Pelo menos nos barbeiros e cabeleireiros de toda a península, sabem a vida de todos, mas no fim, mais cortado ou menos cortado, vemos o resultado das suas mãos. Aliás, tenho mesmo que falar do Hospital de Portalegre, mais cedo ou mais tarde, pois a minha mãe está estacionada em primeira fila, num dos corredores, junto de outras muitas camas, porque quartos nem vê-los, há vários meses, e os seus mais de 80 anos expostos a correntes de ar e peões em trânsito. Ficará para próxima oportunidade, agora que já tenho informação suficiente de dentro e de fora desse inecossistema em que transformaram o nosso Hospital Dr. José Maria Grande, que se hoje tivesse que ser vendido, apenas tem de património, o pessoal que nele trabalha, numa luta desigual entre necessidades e meios, em esforço reforçado de fazer impossíveis, que mesmo assim muitas vezes, conseguem, e onde até mesmo o Francisco Azeitona atende o telefone geral, de forma brilhante e profissional, como se fosse uma clínica privada de elite, com uma voz de artista de cinema que superou toda a espécie de castings.
Fico-me pelo meu primeiro dia de alta em que subi a Rua do Comércio e vi, juro que vi, a minha fotografia nas montras da Cidade. Algumas de cabeça para baixo, outras ao lado de gente com a cruz negra por cima, mortos recentes ou missas de sétimo dia, misturados com anúncios de azeite, vinhos e café, tudo regional, nos jornais que forravam as portas e montras dos comércios fechados, muitos, tantos que a Rua deixou de ser a mesma. Foi aqui que me saltou o clique da crónica deste mês, relacionando tudo isto com o extenso correio que me enviou o Director deste semanário, apresentando-me dúvidas, muitas mesmo, em relação ao futuro da imprensa escrita.
Preocupa-me também, mas tento fazer de outra forma e imaginar um mundo sem letras impressas. Imagino por exemplo os doentes, muito generosamente chamados de pacientes, convocados para as consultas, todos à mesma hora, como se os médicos os fossem ver todos de uma só vez (qualquer dia será assim), esperando que os chamem pacientemente, manhãs ou tardes inteiras, sem ter as revistas e jornais, mesmo com datas caducadas, onde cheguei a ver revistas de 2007, aí, vivinhas da silva.
Imaginam vocês também, o barbeiro sem jornais desportivos? Os cafés da Cidade sem nada para ler? Ou as Sociedades Recreativas? Ou as Bibliotecas? Consultórios, não só de médicos, mas de advogados ou Seguros? Até nas Finanças, mesmo para pagar ou pedir misericórdia, lhes sentimos a falta... nas  longas horas de espera.
Não entro aqui no cheiro do papel, esse lugar comum, que aparece vulgarmente, quando se diz porque se prefere um livro a uma placa quadricular com bateria, porque nunca cheirei um livro e não os trato muito bem, pois gosto de lhes dobrar as folhas, riscá-los quando algo me chama a atenção e até colocar-lhe o meu nome, porque é meu, o comprei ou me foi oferecido, mas passa a ser pessoal, quando os encavalito desordenadamente nas estantes, no quarto e até na casa de banho, apesar dos protestos da Amélia, muito mais organizada do que eu, que os prefere alinhados, por temas e se possível por ordem alfabética.
Posso levar o jornal à praia e sacudi-lo da areia, deixá-lo sobre a toalha com um chinelo por cima para que se não ponha a voar e agora, digam-me se podem fazer o mesmo à placa quadricular de bateria com mil livros dentro. Voar voará, com ou sem chinelos, e que nem a areia nem o sol a acariciem em demasia.
E as estantes? Irão deixar de ocupar as paredes das nossas casas ou passarão a estar repletas de galos de Barcelos, porcelanas chinesas ou louça das Caldas? Que isso da prata e do estanho foi árvore que já deu fruto...
Pinta no entanto, mais fino, quando se pensa na Imprensa Regional, porque com um prazo de validade inferior ao do iogurte e despesas superiores a um banquete de celíacos, também sem qualquer tipo de apoios, vê a sua funcionalidade proporcional ao desenvolvimento de uma região e se essa região está a pique, a imprensa necessita apoios, porque é um pulmão que faz respirar, neste caso, uma Cidade, e também as veias que saem do coração da mesma, levando-a a todos os cidadãos que a definem como “a minha terra”. É uma irresponsabilidade de todos os que a não vacinam contra a extinção, mas uma enorme responsabilidade de consciência por parte dos organismos que existem para melhorar as condições da região, sejam Câmaras, Regiões de Turismo ou outra qualquer instituição pública ou privada que se assuma como líder ou como poder representativo.
Ver o Plátano a diário, a Sé ou mesmo o mercado, é um acto que se desvaloriza a quem está. Ver as pessoas com quem se brincou, discutiu se ama ou amou, é a normalização do dia a dia. Discutir o futuro da Cidade, manifestar-se perante as decisões do Município, faz parte desse dia a dia também. Tão vulgar, que se esquece quem não está, porque neste caso Portalegre  é mais do que os seus residentes, porque são vários milhares os que dizem “a minha terra”, mas estão fora, espalhados pelo País e pelos quatro cantos do mundo, direi mesmo cinco, desde que o Cabé e a Mila chegaram a Timor.
Alguém dos que aí vive sabe a alegria de quem está fora, ao receber notícias da sua terra? Alguém calcula o elo de ligação que essa meia dúzia de folhas de papel exerce no espírito de quem não pode estar presente? Nos milhares que têm nelas as suas únicas informações? Desde actos culturais, reformas, dificuldades, alegrias e até a informação dos que desaparecem tragados, os mais pobres por Santiago e os mais poderosos (desde que não seja uma tragédia) pela Catedral? Sabem que até a publicidade dos novos vinhos, azeites, café e produtos regionais são divulgados muito longe das fronteiras da Cidade por este sangue que chega atrasado, mas chega, a todos os Portalegrenses espalhados pelo País e pelo mundo e que aí, os republicitam com orgulho de serem da sua terra? E que até o turismo é divulgado sem feiras caríssimas e amostras de vaidade?
Poderiam ser feitos protocolos de colaboração entre a Imprensa de Portalegre e a de outros países, começando por Espanha, com a troca semanal de um número X de exemplares que seriam distribuídos uma vez ao mês, ou cada trimestre, pelos assinantes de cada país, e muitas outras ideias que pudessem salvar a caída no esquecimento da nossa Cidade. Só que é obvio que não poderão ser só os proprietários a fazê-lo, é uma obrigação das autoridades locais que mesmo sem o voto de todos, são por direito, os representantes de todos.
A Imprensa Regional é um Serviço Público.
Dizia Eça que quando se fecha uma escola se abre uma prisão, eu direi que fechar um jornal regional é caminhar para o total isolamento dessa região.
Parece-me que à semelhança de outras localidades, que conheço, o Pelouro da Cultura, no caso de Portalegre entregue à simpática Presidente da Câmara, deverá como noutras Cidades atribuir anualmente subsídios, às associações recreativas, bandas, grupos de folclore e por aí fora. Porque não se atribui nenhuma ajuda à Imprensa Regional? A resposta é simples e está na lei, “porque são empresas privadas”.
Neste ponto, poderiam os Portalegrenses criar uma Associação de Amigos da Imprensa Regional, que abarcasse toda a imprensa do Distrito de Portalegre e que funcionasse como suporte logístico, mas também como suporte de tesouraria. Esta Associação, como tal, poderia candidatar-se não só a subsídios camarários, mas também a apoios da Comunidade Europeia para desenvolvimento da zona raiana e que a nós Raianos do Distrito de Portalegre, nem nos dá o cheiro, apesar de virem todos os anos e serem distribuídos pela raia Portuguesa e Extremenha, onde os políticos são menos submissos a Lisboa ou a Madrid.
A imprensa escrita nunca acabará, até porque é um produto de fácil reciclagem, embora hoje, se estejam a ganhar milhões, com os projectos ambientais, mesmo que o empresário, da empresa que pintou de verde, por conveniência de modernismo bem pago, seja visto em tudo o que é praça de touros, e como caçador, abandone os galgos que não caçam no campo onde os experimentou.
Aqui em Espanha, aí não sei, antigamente pagavam pelo papel e pelo cartão. Agora esse trabalho passou a ser pago pelo cidadão, e alucinado fiquei este ano, quando fui com a carrinha carregada de papelada do ano passado, especialmente jornais e revistas que guardava sempre, porque  dava para um lanche em família, a pesaram numa báscula, a voltaram a pesar já vazia e me disseram o valor a pagar.
É obra!
De qualquer forma o papel de jornal está constantemente a ser reciclado e tem acima de tudo uma reutilização que está entranhada no dia a dia.
Que fariam sem eles os pintores, de interiores ou de exteriores, de automóveis, motas e triciclos? E os oleiros nas suas oficinas? E nas escolas quando se faz modelagem ou quando se utilizam as tintas e pinceis? E como é que se limpavam os pára-brisas? E a Amélia os vidros das janelas da sala? E a Eva? Como limparia os estanhos que herdou da madrinha?
Até mesmo a minha sogra, como se arranjaria para manter limpa a diário, o fundo da gaiola dos periquitos?
E tu, que estás a ler esta crónica, também sabes que o usas para acender o fogareiro das sardinhas nos sábados, compradas no mercado, onde penso que ainda se venderá a massa frita, e tenho a certeza, que é com jornal também, que forras o balde do lixo.
E mesmo que tenhamos com esta inventada e propositada crise maldita, de voltar ao passado, aos dias da nossa infância, aí estarão de novo, nas retretes públicas ou das nossas casas, cortados em quadrados de dez centímetros e pendurados de um arame, e as escolas primárias voltarão a utilizá-los para as noções do dm2, segundo o manual da Didáctica da Matemática do saudoso Dr. Manuel Inácio Pestana.
Agora acabar(?) isso nunca!                                      

                                                                   Aragonez Marques


                                              Publicado no Semanário Fonte Nova nº 1911






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