Deus os tenha no seu eterno
descanso.
Jurei a todos os santinhos, pela minha saúde, eu seja ceguinho e essas
coisas todas, que não falaria mais no Facha. Primeiro porque se não deve
chorar, é perca de tempo, sobre casca de laranja descascada e segundo, porque
esta laranja em concreto, já está cortada às rodelas e servida polvilhada de
açúcar. Só que, estou a escrever de Portalegre, vim de camioneta, desci no
Rossio, e senti um arrepio na espinha, completado pela entrevista dada a este
jornal, que comprei na papelaria Sarita para me entreter na consulta médica
onde estou.
Um escritor que nunca conheci para além do seu único livro, chamado
“Como venci o cancro” atingiu há três anos um recorde em topo de vendas,
extraordinário. Utilizado como livro de auto-ajuda, muitos eram os leitores que
o compravam, que o ofereciam e muita gente o transformou em força para
continuar. No ano passado, os pedidos subiram, foram feitas novas edições e a
editora passou a receber pedidos do Brasil, de Angola e até de emigrantes Açorianos
nos Estados Unidos. Como tenho facilidade de relação com as editoras e porque
um grupo de voluntários me pediu, contatei o proprietário de uma fábrica de
livros sediada na região centro, e pedi que o autor, se deslocasse a Espanha
para junto de um grupo de doentes apresentar o livro e fazer uma conferência.
Respondeu-me o editor: - Impossível amigo, esse senhor morreu há dois anos- e
acrescentou- não comente por aí. Tal como o Facha, que não morreu quando as
máquinas o começaram a escavacar, mas estava morto há anos quando decidiram pela
eutanásia e por interesse óbvio não comentaram por aí.
Fizeram-no agora, entrevista de açúcar, ao mesmo tempo que enterravam o
cadáver.
Não gostei de algumas respostas, simplistas, com muita sacarina, como é
de lei e moda, como se fossemos todos diabéticos.
Achei curioso o entrevistado dizer que a cidade estava dividida, como
aconteceu quando da construção do defunto criado por Miguel Jacobetty Rosa,
reagindo à modernidade.
Como um aluno inteligente perante a pergunta do professor a quem não
sabia responder, levou para o seu terreno a resposta. Ora eu não sou assim tão
velho nem reacionário ao modernismo e julgo que quem contesta, não o faz contra
o estilo do edifício nem contra a existência de mais um hotel e muito menos à
homenagem do escritor de Vila do Conde, mas sim contra a localização da obra de
arte.
Já que a geração dos meus pais permitiu a aberração do edifício do filho
do Senhor Matos da Pérola, no Largo Frederico Laranjo, que aí está e ficará
para sempre ou até que caia, manifestei-me para que as minhas filhas saibam que
algo fiz, mesmo que já não sirva para nada.
Sobre a modernidade, e embora não quisesse sinceramente entrar aí, julgo
que seria moderno na década de oitenta, hoje é um edifício normal e corrente,
onde nem a sua localização o beneficia. Além disso, e porque me faz cócegas nos
pés, peço que vejam a fotografia da entrada onde se vê perfeitamente, o que
tenho chamado paralelepípedo.
Sou só eu ou há mais gente que vê um “bangalô” retilíneo, como caixote
com janelas, pousado no cimo do arredondado do Facha? Por aqui me fico, ou
quase, porque noto uma ironia essa de: Somos todos de cá, o arquiteto, eu
também, vou viver para a Cidade, já tenho aí uma vivenda... como se ser irmão
da grande prole Portalegrense, nos desse o direito de destruir as pratas da
família.
Mas nem tudo foi mau, afinal ficamos a saber porque se não respeitou o
traçado do edifício e muito menos a sua recuperação, soubemos também a razão
pela qual o último cisne sobrevivente da cidade está nos armazéns da Câmara
Municipal. Fomos informados de um incidente que aconteceu e que a empresa, se
tivesse sido mais grave, assumiria o prejuízo, como se houvesse dinheiro que
pagasse a destruição da fonte construída em 1865. Soubemos também, como os
vidros não foram retirados por não ter sido adquirida a estação de serviço,
dependente de uma assinatura para uma garantia bancária e que tudo, se resume a
dinheiro.
Pouco menos de dois milhões de euros um preço “agressivamente caro”... um investimento reembolsável em três anos
(pelas minhas contas) e que dá trabalho apenas a 14 trabalhadores, sem
garantias de que sejam todos irmãos da prole.
A Câmara de Elvas acabou de anunciar a compra do Forte da Graça, a
Câmara de Portalegre nem se esforçou por comprar o edifício emblemático do centro
da Cidade. Não tem dinheiro, sabemos, mas isso se deve à má política dos
últimos anos.
O presente envenenado recebeu-o a Presidente da Câmara, a quem se
agradece com um bem haja, a resolução em três meses de um assunto pendente há
três anos.
Também gostei de saber que as pedras de granito do edifício são de boa
qualidade e que serão aplicadas noutras obras da empresa (!)
Aqui me fico, e não comentarei mais este assunto. Agora é de vez e que
fique mesmo ceguinho se o fizer.
Apenas quero tranquilizar os leitores, dizendo que a morte do escritor
com que começo esta crónica, não foi causada pela miserável doença. Morreu
atropelado por um táxi, a alta velocidade, quando saía do último tratamento de
quimioterapia, à porta do I.P.O.
Como o Facha.
Deus os tenha no seu eterno
descanso.
Aragonez Marques
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