NASCEMOS IGUAIS
Personagens: RUCA / BE / CAJÓ / MÃE RORRO / TIA TETE
RUCA- Olá, ando à procura da minha irmã gémea (finge que procura, nos cantos, atrás da cortina) BÉ!!! Alguém viu
a Bé? (fala com o público) BÉ!!!!
(entra a Bé)
BÉ-
Estou aqui, que barulheira é esta? Estou aqui.
RUCA- Onde estavas?
BÉ-
Estava a lavar os pratos.
RUCA- Claro, muito bem, assim é que é, cumprindo o teu dever. Nasceste mulher
tens que trabalhar, eu vou jogar à
bola.
(Sai de cena a assobiar)
BÉ- E
pronto, aí vai ele. Não concordo nada. É mesmo uma injustiça. Nascemos iguais.
Eu levanto-me cedo para ir com a mãe buscar água, limpar a casa, olhar pelo meu
irmão pequenino… e às vezes ainda lavo a roupa. O Ruca, só porque nasceu rapaz,
levanta-se da cama e vai brincar com os amigos. Injusto, muito injusto. (fala com o público) É injusto, não é?
Mais alto, não oiço nada. É injusto não é? Vou chamar o Ruca e dizer-lhe (chama o irmão) Ruca!!!Ruca!!! Onde é
que ele anda? (procura)já ninguém sabe dele. Ruca!!!Ruca!!!
(aparece o Ruca)
RUCA- Estou aqui, já nem se pode brincar descansado. O que é que tu queres?
BÉ-
O que eu quero é que logo ao jantar sejas tu a ajudar a mãe a lavar a loiça,
enquanto eu vou regar as flores.
RUCA- És parva? Isso é trabalho de mulher, eu sou um rapaz!
BÉ-
O quê? Os rapazes também podem lavar a loiça. Não são só as raparigas. Era o
que faltava!
RUCA- O que é que estás para aí a dizer? Não nasceste rapariga? Não te queixes.
Pois eu vou jogar à bola!
(Ruca sai a assobiar e Bé fica no palco)
BÉ-
Como é que eu vou mudar estas cabeças velhas? (suspira)
(Fecha o pano)
II
MÃE RORRO- Olá, eu sou a Mãe da Bé e do Ruca. São gémeos, nasceram iguais, mas a Bé
é uma refilona. Nunca sei onde ela está. BÉ! Bé!!
BÉ-
Estou aqui minha mãe.
MÃE RORRO- Onde é que estavas? Há muita roupa para lavar, não penses que vais
vadiar. Tu não és nenhum rapaz!
BÉ-
Ser rapaz é que é bom. O Ruca não faz nada. É um preguiçoso.
MÃE RORRO- Caluda! O Ruca é um rapaz. Tem como dever ajudar o pai, limpar ervas,
levar os animais a pastar, apanhar lenha…
BÉ-
Mas eu também faço isso. Porque é que ele não pode fazer os meus trabalhos se
eu faço os dele? Os trabalhos podem ser feitos por rapazes e raparigas.
Trabalho é trabalho. Só isso.
MÃE RORRO- Não minha filha. A mulher cozinha, cose, está em casa e as filhas
ajundam-na. Só assim é que um dia, poderás encontrar um bom rapaz que queira
casar contigo.
BÉ-
Bom rapaz? Que queira casar comigo? Pois eu não caso com preguiçosos! Quero
estudar e ser uma boa aluna. Era o que faltava, levar uma vida a servir um
homem…
(Bé, sai de cena, refilando)
MÃE RORRO - Esta minha filha tem razão. Estudando, a vida dela não será como a minha.
(Entra a Tia Tété)
TIA TETE- Ó mana, a menina tem razão e tu sabes. Porque não lhe dizes?
MÃE RORRO - Querida irmã, tenho medo, a tradição tem muita força e não quero que lhe
aconteça nada de mal.
TIA TETE- De mal? Pior do que a vida que levamos? Os tempos são outros, os nossos
filhos vão à escola e a escola é muito mais do que aprender a ler e a escrever.
Sabes o que te digo? Deixa a garota em paz que ela já sabe mais do que nós as
duas juntas. Vamos, vamos andar um pouco a pé e pelo caminho, falamos mais um
bocadinho.
(Saem as duas e fecha o pano)
III
RUCA- Estou farto de tanto brincar, até estou aborrecido.
(Entra o amigo Cajó)
RUCA- Olha o Cajó, o menino moderno, onde vais?
CAJÓ- Fujo das minhas pretendentes.
RUCA- O quê? Eu não tenho nenhuma e tu foges das que tens? São muitas?
CAJÓ- Gostar só gosto de uma, mas as outras querem rapazes como eu para
maridos. São meninas que estudaram. E gostam de como a minha mãe me educou. Eu
sei fazer tudo.
RUCA- Tudo?! Tudo mesmo? Sabes lavar pratos e essas coisas de mulher?
CAJÓ- De mulher? Tu estás parvo pá. Qual de mulher? Trabalho é trabalho e na família todos temos que nos ajudar e saber
fazer um pouco de tudo.
RUCA- Tu ajudas a tua mãe? Só deves ajudar o teu pai. Tu és um rapaz!
CAJÓ- Ajudo quem necessita. Sei fazer tudo.
RUCA- Pratos também?
CAJÓ- E roupa e cuidar dos meus irmãos pequeninos e também cortar erva e dar de
comer ao gado. Hoje já não há trabalhos de rapaz e rapariga. Todos somos
iguais, e olha que elas, agora com a escola…
RUCA- Com a escola?
CAJÓ- Sim, com a escola aprendem novas coisas e lá não as ensinam a ser menos
do que nós. Somos iguais. Tão iguais como tu e a tua irmã Bé.
RUCA- Pois…
CAJÓ- Como fui educado por uns pais modernos, sou também um jovem moderno por
isso…
RUCA- Já sei Por isso tens muitas raparigas a querer casar contigo. A minha mãe
outro dia disse-me: Filho, se todas as raparigas pensarem como a tua irmã,
penso que daqui a uns anos, ninguém quer casar contigo.
CAJÓ- E tu que pensas?
(Ruca mostra uma panela)
RUCA- Casar comigo? Não querem? Ai querem querem, vou mesmo agora lavar esta
panela.
(Fecha o pano)
A.M (2015)
Sugerido por excerto da
Revista Ba Lafaek, , edisau 13,
Tinan IV- 2004
Tinan IV- 2004
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