( Eu, Clarinha, sou a segunda a contar da esquerda,
as outras são as minhas irmãs)
A TORTILHA DE BATATA
Estou irritadíssima,
imaginem vocês, que os fotógrafos, que eram dois, um que meteu um palco com
flores de papel e outro que carregava no botão da máquina, foram hoje à minha
escola, e embora a minha mãe pagasse treze euros pelas fotografias, mais um do
que no ano passado, algumas com calendário, eles é que decidiram como eu me
sentava não me deixando escolher o meu melhor perfil, que é o
esquerdo, porque no direito tenho um biquinho numa orelha igual à do meu pai. A
minha avó diz que essa orelha do meu pai, é em bico, porque ele era um diabrete
quando era pequeno, mas ele diz que essa orelha tem um bico porque a direita é
o diabo. Agora se eu não gosto do biquinho da minha orelha, tenho
todo o direito de mostrá-la só a quem quero, seja a direita ou a esquerda, era
o que faltava, e não metê-la assim na montra do calendário que
os meus avós vão ter todo o ano de 2018 colado no
frigorífico como o de 2017, pois é a prenda de natal que os meus pais lhes dão desde
que há fotografias na escola, já no tempo das
minhas irmãs grandes era igual.
Todos os meninos e meninas
tiraram fotografias, e os professores também, sozinhos e em grupo, de pé e
sentados, de todas as maneiras como no casamento da minha prima Clotilde, que
já está divorciada, que tirou fotografias em todo o lado, até agarrada ao
telefone da sala e à cortina do quarto.
Só é pena que
nem todos os meninos e meninas da minha escola possam como eu levar as
fotografias para casa, porque os pais de alguns não têm dinheiro para as
pagar. Eu acho mal, afinal aquilo não é um colégio como o da minha prima
Leonor, com nome de princesa, que os meus tios pagam para ela lá estar porque o
meu tio é médico e a minha tia é enfermeira mulher de médico e não têm mais
filho nenhum. A minha é uma escola do governo e deveria ser igual para
todos os que lá andamos.
A minha mãe, já
anda um pouco farta de eu ser assim e está sempre a dizer-me, cada vez te
pareces mais com o teu pai, e como ele, não sairás nunca da cepa torta,
e hoje quando estava a comer na mesa da cozinha e lhe ia contar o que pensava
das fotografias, disse-me:
- Come e
cala-te.
O meu tio
gordo, irmão do meu pai, diz muitas vezes que nos temos de calar para
podermos comer e dar de comer aos nossos. Também outro dia o meu pai disse que
se não nos tivesse que dar de comer, a mim e à minha irmã, que as
outras já comem sozinhas, lhes cantaria as quarenta. Tentei que o meu pai
me dissesse mais sobre os quarenta, mas ele disse-me que um dia quando eu fosse
grande iria perceber, porque as crianças não têm entendimento para
números tão grandes, eu apesar de tudo, descobri que há
uma relação entre as palavras e os alimentos e quando na mesa da cozinha
insisti com a minha mãe que o euro que o senhor fotógrafo este ano leva a mais
a cada menino, que não é nada, assim como o euro do senhor Costa amigo do meu
pai leva aos turistas, multiplicado por mais de mil meninos e meninas que tem o
agrupamento, dava para pagar as fotografias dos meninos sem dinheiro, pois os
senhores professores vão ter as fotografias de borla. Aí sim, a
minha mãe zangou-se mesmo e já com a voz muito alta ainda conseguiu gritar:
- Cala-te, já te
disse e come Clara (chamou-me Clara e não Clarinha).
Eu então
calei-me e comi tudo, não fosse por causa das palavras, conseguir fazer
desaparecer da mesa a tortilha de batata.
CLARINHA
PS
Esta redacção
(com dois cç de propósito e para aborrecer), foi vítima de tentativa de censura
por parte do meu pai, que me disse que as fotografias dos professores não
tinham calendário. Embora saiba que não têm calendário pois ganham o mesmo que
há uma data de anos atrás, esta tentativa foi inadmissível.
Clarinha.
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