jueves, 27 de marzo de 2014

LEIA AQUI TODA A CRÓNICA / HAJA PACIÊNCIA! / SEMANÁRIO FONTE NOVA



HAJA PACIÊNCIA!
Diz a nossa (?) ministra das finanças que os salários não voltarão aos valores de 2011 pois não descobriu petróleo. Curioso, porque pensava que os cortes salariais que permitimos passivamente, apenas tinham sido aprovados pelo seu carácter provisório. Não entendo, ou entendo, porque os valores de 2011, estão chapados no cimo das folhas de vencimento, continuando a contar como base de todos os cortes. Também não percebo esse olhar para 2011 como se auferíssemos grandes rendimentos e não fossem já nessas datas, os mais baixos da europa. Penso mesmo ridículo e de mau tom, má-fé e estupidez, referir-se ao petróleo, depois de descobrir os poços que julga não ter fundo, nos bolsos dos portugueses.
Não sei o que se passa, nesta agitação de águas e mistura propositada de informação que dia a dia nos trazem confusos, divididos e mais pobres.
As imagens que as televisões não mostram e que apenas a net divulga, por ainda não estar completamente controlada, de camas colocadas nos túneis viários de Lisboa e nas bocas do metro, em tempos de paz, na cidade mais bonita da europa, leva-me a questionar o direito que esta gente tem para se apresentar de bandeirinha nacional na lapela.

(foto de Manuel Carlos Cardoso)
Estou muito zangado, mas a entrar numa fase de “nada se pode fazer”, e isto é grave, por isso, mesmo que não leve a nada, foi como um respirar, cabeça fora de água, mesmo que por pouco tempo, que senti o manifesto dos 70, que passou a 74 e que passando fronteiras recolhia 140 assinaturas ilustres, mas que poderiam ser muitas mais se a europa (que europa?) não fechasse os respiradores de imediato, para que essa doença cívica, não se alastrasse. Dou-me conta, que nunca umas eleições europeias foram tão importantes.
Já que aqui temos um Miguel de Vasconcelos (como lhe chama o meu amigo Arséne), que ninguém empurra da varanda e que ainda se não escondeu no armário, embora dia a dia saia mais folgado dele, que não manda nem decide, limitando-se pomposamente a ser um testa de ferro, que depois de reunir com o PS, correu de imediato à Alemanha (logo no dia seguinte) para prestar vassalagem, à dona, e depois de lhe ter lambido as mãos, levou uma festinha no pelo, que trouxe contente para Portugal a abanar o rabo: Posso sair da “troika” com ou sem programa cautelar, a grande Alemanha está comigo.
São eleições tão importantes, para nós portugueses que durante anos, nunca lhes passámos cartão como demonstram os níveis de abstenção de eleições anteriores, que desta vez e mesmo que nos queiram desvalorizar as mesmas, é mesmo a única forma de modificar as chefias desta europa de Ali-Babás.
Temos que tirar o grupo do partido popular europeu da liderança europeia.
Sempre gostei de mercados, dos ruídos, dos pregões, das gentes, dos produtos meio caseiros, mais baratos e próximos, e sempre que havia mercado, em especial nas quartas e sábados em Portalegre, ir era um prazer que sempre associei à minha infância.
Neste instante, tremo cada vez que se fala de mercados.
Naquele tempo, se ficávamos a dever o café e a massa-frita, sabíamos a quem tínhamos que pagar na semana seguinte. Hoje, esta história dos mercados é para mim um arrepio, um medo, uma insegurança, sei que me tiram o dinheiro para pagar aos terríveis feirantes, mas não sei o que comprei e muito menos a quem devo em nome de Portugal. Em meu nome pessoal, sim sei, e cada vez tenho menos possibilidades de cumprir. É massa-frita e café, tudo bem, mas bebi o café e a fartura comi-a, porque nessa altura podia, porque nessa altura dominava as regras e conhecia as cartas sem acreditar ser possível alguma vez ser legal, marcarem os baralhos, destrunfarem-nos logo no reparto, roubarem-nos as fichas que nos pediram emprestadas e apostarem com elas na mesa ao lado, sabendo que os dados dessa mesa estavam viciados e que os parceiros não tinham rosto nem bilhete de identidade.
Entramos em Abril, governados pelos netos dos perdedores, passando-se décadas desde o tempo em que acreditámos e pensámos ter entrado no novo mundo da liberdade por nos termos conseguido libertar da tirania dos seus egrégios avós, a quem poupámos a vida e perdoámos fraternalmente anos depois, dedos flores e cabeças no ar, make love not war.
 Entre baladas, criámos os filhos nesta geração de casa na Caixa Geral de Depósitos, mas hoje notamos que também devido ao comodismo, fomos perdendo a intervenção cidadã.
Dar a outra face à agressão é da lei divina, não sete vezes Pedro, mas setenta vezes sete. Agora não vi nem li que fossem setecentos vezes setecentos em tão pouco tempo. São muitos os inchaços para aguentar mais pancadaria.
Os hospitais em ruptura, a malta a pagar apesar de descontar para a ADSE, as escolas com amianto nas telhas, nos programas e nas avaliações de colegas por colegas, mais bufos que avaliadores, os velhos cada vez mais tristes e cansados, as crianças com fome, os deficientes sem ajudas, e estes capuchinhos vermelhos que nos metem medo do lobo porque querem limpar as pensões das avós.
A história não é assim, eu sei porque a ouvi e contei centenas de vezes.
Passámos a estar mudos, cegos e surdos, nem percebemos que a canção do festival é um plágio da lambada, que as metas curriculares são plágio dos objectivos, que o ensino por áreas e fim da monodocência é plágio das velhas escolas P3, que o futebol e o fado são tudo o que nos resta e que, o atribuir às escolas apenas três horas para o Estudo do Meio, é a negação da comunidade escolar perante a ciência e que as actividades de expressão estarem praticamente extintas é a prova de que se não pretende criatividade e inovação.
Saber ler e contar bem, isso sim, português e matemática na óptica do utilizador, o grande investimento nacional dos cinzentos, nascidos e criados pelas escolas de formação. Que as nossas crianças possam interpretar bem as receitas e as ementas e saibam fazer bem as contas da soma dos rissóis e dos pastéis de bacalhau, de avental ao lado da mesa dos turistas, que ganham três vezes mais do que nós ganhávamos em 2011.
Estão a virar-nos para os serviços, servir, cá dentro e lá fora, servir bem os países da europa do norte, servir à mesa, obviamente, criados de luxo. Aprender o inglês de preferência com sotaque local, que o turista estrangeiro acha mais pitoresco, e ele é que paga, e compra, e com sorte fica, se formos capazes de estar preparados para lhes mudarmos as fraldas das suas incontinências urinárias e de lhes darmos a comidinha na boca.
Talvez por isso, tantas escolas de hotelaria e tantos master chefes na televisão.
Que forma mais primária de utilizar o nosso mar e o nosso sol.

Além do mais, começa a ser visível a parte da incompetência e parvoíce, desta gentinha que ocupa postos chave nas decisões das nossas vidas, como o dia da disfunção eréctil no mesmo dia dos namorados (14 de Fevereiro), do alcoólico anónimo no dia do pai (19 de Março) ou até mesmo o cartaz deste ano da Ovibeja com a cabeça de um vitelo. Fez-me lembrar um sujeito de Talavera a quem saiu a lotaria (pouco tempo lhe durou) e que fez uma grande Marisqueira na terra, que tinha como especialidade da casa, frango assado.

Haja paciência! 

miércoles, 26 de marzo de 2014

MAIS PRÓXIMO DOS LEITORES / BIBLIOTECA DE CAMPO MAIOR


 Estes livros, podem ser requisitados pelos leitores,
 também na
 Biblioteca Municipal de Campo Maior.
(... é um prazer ter os meus livros cada vez mais próximo do público...)

Boas Leituras!

martes, 25 de marzo de 2014

HAJA PACIÊNCIA! / Semanário Fonte Nova / HOJE NAS BANCAS


Um cheirinho de HAJA PACIÊNCIA!, para ler hoje na totalidade no Semanário Fonte Nova de Portalegre

(...)

entre baladas, criámos os filhos nesta geração de casa na Caixa Geral de Depósitos, mas hoje notamos que também devido ao comodismo, fomos perdendo a intervenção cidadã. 
Dar a outra face à agressão é da lei divina, não sete vezes, Pedro, mas setenta vezes sete. Agora não vi nem li que fossem setecentos vezes setecentos em tão pouco tempo. São muitos os inchaços para aguentar mais pancadaria.
Os hospitais em ruptura, a malta a pagar apesar de descontar para a ADSE, as escolas com amianto nas telhas, nos programas e nas avaliações de colegas por colegas, mais bufos que avaliadores, os velhos cada vez mais tristes e cansados, as crianças com fome, os deficientes sem ajudas, e estes capuchinhos vermelhos que nos metem medo do lobo porque querem limpar as pensões das avós.
A história não é assim, eu sei porque a ouvi e contei centenas de vezes.

(...)

Dos dois Lados do Guadiana
Aragonez Marques


lunes, 24 de marzo de 2014

domingo, 23 de marzo de 2014

A MÁGOA DE RUY DE CARVALHO


"Senhores Ministros:

Tenho 86 anos, e modéstia à parte, sempre honrei o meu país pela forma como o representei em todos os palcos, portugueses e estrangeiros, sem pedir nada em troca senão respeito, consideração, abertura – sobretudo aos novos talentos – e seriedade na forma como o Estado encara o meu papel como cidadão e como artista.
Vivi a guerra de 38/45 com o mesmo cinto com que todos os portugueses apertaram as ilhargas. Sofri a mordaça de um regime que durante 48 anos reprimiu tudo o que era cultura e liberdade de um povo para o qual sempre tive o maior orgulho em trabalhar. Sofri como todos, os condicionamentos da descolonização. Vivi o 25 de Abril com uma esperança renovada, e alegrei-me pela conquista do voto, como se isso fosse um epítome libertador.
Subi aos palcos centenas, senão milhares de vezes, da forma que melhor sei, porque para tal muito trabalhei.
Continuei a votar, a despeito das mentiras que os políticos utilizaram para me afastar do Teatro Nacional. Contudo, voltei a esse teatro pelo respeito que o meu público me merece, muito embora já coxo pelo desencanto das políticas culturais de todos os partidos, sem excepção, porque todos vós sois cúmplices da acrescida miséria com que se tem pintado o panorama cultural português.
Hoje, para o Fisco, deixei de ser Actor… e comigo, todos os meus colegas Actores e restantes Artistas deste país – colegas que muito prezo e gostava de poder defender.
Tudo isto ao fim de setenta anos de carreira! É fascinante. Francamente, não sei para que servem as comendas, as medalhas e as Ordens, que de vez em quando me penduram ao peito?
Tenho 86 anos, volto a dizer, para que ninguém esqueça o meu direito a não ser incomodado pela raiva miudinha de um Ministério das Finanças, que insiste em afirmar, perante o silêncio do Primeiro-Ministro e os olhos baixos do Presidente da República, de que eu não sou actor, que não tenho direito aos benefícios fiscais, que estão consagrados na lei, e que o meu trabalho não pode ser considerado como propriedade intelectual.
Tenho pena de ter chegado a esta idade para assistir angustiado à rapina com que o fisco está a executar o músculo da cultura portuguesa. Estamos a reduzir tudo a zero… a zeros, dando cobertura a uma gigantesca transferência dos rendimentos de quem nada tem para os que têm cada vez mais.
É lamentável e vergonhoso que não haja um único político com honestidade suficiente para se demarcar desta estúpida cumplicidade entre a incompetência e a maldade de quem foi eleito com toda a boa vontade, para conscientemente delapidar a esperança e o arbítrio de quem, afinal de contas, já nem nas anedotas é o verdadeiro dono de Portugal: nós todos!
É infame que o Direito e a Jurisprudência Comunitárias sirvam só para sustentar pontualmente as mentiras e os joguinhos de poder dos responsáveis governamentais, cujo curriculum, até hoje, tem manifestamente dado pouca relevância ao contexto da evolução sociocultural do nosso povo. A cegueira dos senhores do poder afasta-me do voto, da confiança política, e mais grave ainda, da vontade de conviver com quem não me respeita e tem de mim a imagem de mais um velho, de alguém que se pode abusiva e irresponsavelmente tirar direitos e aumentar deveres.
É lamentável que a senhora Ministra das Finanças, não saiba o que são Direitos Conexos, e não queiram entender que um actor é sempre autor das suas interpretações – com direitos conexos, e que um intérprete e/ou executante não rege a vida dos outros por normas de "excel" ou por ordens “superiores”, nem se esconde atrás de discursos catitas ou tiradas eleitoralistas para justificar o injustificável, institucionalizando o roubo, a falta de respeito como prática dos governos, de todos os governos, que, ao invés de procurarem a cumplicidade dos cidadãos, se servem da frieza tributária para fragilizar as esperanças e a honestidade de quem trabalha, de quem verdadeiramente trabalha.
Acima de tudo, Senhores Ministros, o que mais me agride nem é o facto dos senhores prometerem resolver a coisa, e nada fazer, porque isso já é característica dos governos: o anunciar medidas e depois voltar atrás. Também não é o facto de pôr em dúvida a minha honestidade intelectual, embora isso me magoe de sobremaneira. É sobretudo o nojo pela forma como os seus serviços se dirigem aos contribuintes, tratando-nos como criminosos, ou potenciais delinquentes, sem olharem para trás, com uma arrogância autista que os leva a não verem que há um tempo para tudo, particularmente para serem educados com quem gera riqueza neste país, e naquilo que mais me toca em especial, que já é tempo de serem respeitadores da importância dos artistas, e que devem sê-lo sem medos e invejas desta nossa capacidade de combinar verdade cénica com artifício, que é no fundo esse nosso dom de criar, de ser co-autores, na forma, dos textos que representamos.
Permitam-me do alto dos meus 86 anos deixar-lhes um conselho: aproveitem e aprendam rapidamente, porque não tem muito tempo já. Aprendam que quando um povo se sacrifica pelo seu país, essa gente, é digna do maior respeito… porque quem não consegue respeitar, jamais será merecedor de respeito!

Ruy de Carvalho"

viernes, 21 de marzo de 2014

CRÓNICA DE MARÇO / SEMANÁRIO FONTE NOVA / NAS BANCAS DIA 25


Terça-feira, a última de cada mês como sempre, a minha crónica mensal no Semanário Fonte Nova de Portalegre. O titulo deste mês: Haja Paciência!

Escrita com muita raiva e muita paciência. Estive hoje incógnito em Portalegre. Fui dar um beijo à minha mae. Continua cada vez mais cinzenta a minha cidade. Triste e deprimida, tapando envergonhada a beleza que tem. Julgo que está com falta de auto-estima. Também quem a pode ter com estes putos incompetentes a quem legitimámos com o voto a tomada de decisões das nossas vidas. Em Maio há eleições. Temos que alterar e afastar para sempre estes lideres liberais europeus. O grupo popular europeu deve ser afastado imediatamente das decisões europeias. Vota conscientemente. Vota. É a única forma democrática ao nosso alcance. Não é um voto entre PS e PSD isso é o que eles querem que pensemos. É um voto para mudar os destinos dos lideres europeus e através deles o deste continente maltratado.
Terça-feira, a última de cada mês como sempre, a minha crónica mensal no Semanário Fonte Nova de Portalegre. O titulo deste mês: Haja Paciência!

Nas Bancas dia 25 de Março, terça-feira.

jueves, 13 de marzo de 2014

A GARRAFEIRA DE ANTÓNIO LOBO ANTUNES


"Perguntam-me muitas vezes por que motivo nunca falo do governo nestas crónicas e a pergunta surpreende-me sempre. Qual Governo? É que não existe governo nenhum. Existe um bando de meninos, a quem os pais vestiram casaco como para um baptizado ou um casamento.


Existe um Aguiar Branco e um Poiares Maduro. Porque não juntar-lhes um Colares Tinto ou um Mateus Rosé?

É que tenho a impressão de estar num jogo de índios e menos vinho não lhes fazia mal".

António Lobo Antunes

miércoles, 5 de marzo de 2014

HOJE É UM BOM DIA PARA MORRER


Hoje está um belo dia para morrer. Custa-me um pouco, mas o Sargento nao pode continuar a tirar o protagonismo à mulher. Há mais de um mês que sinto que está a mais. Vou aproveitar hoje para lhe dar uma morte digna. A Mulher do Sargento Espanhol, continuará a ter o seu espaço privilegiado. A partir daqui, o palco é todo teu Patry. 

lunes, 3 de marzo de 2014

A MULHER DO SARGENTO ESPANHOL (... terceiro cheirinho...)


(...)

21.
 A Fronteira




Na
cabana do pastor preparavam-se para partir.
- Não deixem nascer o dia, terão que sair daqui. Os carabineiros aparecem quando menos se esperam.
Os cinco homens partiram juntos.
- Sempre para Oeste.
-Subiremos primeiro para Norte e viraremos para Oeste mais acima que aqui a fronteira está muito batida.
Acender o fósforo para alumiar a bússola era um perigo necessário. Faziam-no com os corpos encostados num pequeno círculo e tentavam inventar os azimutes.
Salustiano  Pérez Román deu-se conta de ter deixado o casaco na choupana do pastor. Meteu as mãos nas mangas da camisa para evitar o frio da manhã. Tinha deixado de chover, mas os campos estavam molhados, charqueados e escuros, embora a pouco e pouco fosse clareando mesmo antes de nascer o sol. Tocou o bolso das calças e sentiu as cinco pesetas, as segundas que lhe deram com a sua liberdade.
Apenas se deram conta de entrar em Portugal quando uma patrulha da Guarda Republicana os deteve. Ficaram encolhidos como crianças, mas os guardas tranquilizaram-nos:_ Estão  em território português. Não tenham medo. Venham connosco. Que bela merda que vocês arranjaram daquele lado...
Andaram a pé, cinco, dez, quinze quilómetros e entraram numa cidade fortificada que viam pela primeira vez. Tinha um castelo, dois fortes e um aqueduto enorme, tudo de pé, sem a marca de uma bomba, nem sequer de uma rajada, nem mesmo um tiro, embora se ouvisse com espaços cada vez mais reduzidos o troar dos canhðes do outro lado. Elvas era um remoinho de gente onde a língua castelhana soava nas ruas pelo grande número de refugiados. Rotos  e mal vestidos, empobrecidos de urgência, gente que tinha perdido tudo, bens e família tragados pela guerra. Pediam pelas ruas e as pessoas davam o que tinham. Junto ao Forte da Graça, muitas mulheres se prostituíam por pão e leite. Havia crianças abandonadas desde a Rua de Alcamim até às Portas de Olivença, pedindo comida.
Salazar tentava evitar os conflitos com Franco, facilitando-lhe a vida, não só por temor, aquele velho medo de que Castela viesse pela nossa independência, mas também por ideologia, onde a Mocidade Portuguesa se saudava com o braço esticado. Por isso era um aliado não declarado. O povo não, esse dava cobertura a quem chegava, ajudava como podia e sofria pela noite quando os clarões dos canhðes se avistavam do outro lado da fronteira como uma grande tempestade no horizonte.
Havia também negociantes, de metais, estanho e urânio que através de Espanha encaminhavam para a Alemanha ou para Inglaterra, outros que faziam disparar o preço da batata, da manteiga, do açúcar e outros, que negociavam sem escrúpulos, tendo já sido embebidos pela total falta de respeito pelos valores da vida humana.
Duzentos escudos custava uma noite numa cave com transporte incluído, de madrugada, para Lisboa. Os companheiros de Salustiano Pérez Román aderiram e dormiram toda a noite, abrigados e sem medos, sonhando com Lisboa e com os barcos que saiam para países onde irmãos se não matavam entre si. Apenas com cinco pesetas no bolso, o sargento desiludido, dormiu ao relento, no portal da Câmara Municipal. O seu destino era Portalegre, concretamente a Ribeira de Nisa, onde o esperava a mulher, Patrocínio, com dupla nacionalidade como ele, grávida de três meses, refugiada graças a uma ordem do cônsul argentino, em casa de familiares, esperando que um dia, lhe aparecesse o marido, mesmo que numa manhã de nevoeiro.
Sentava-se ao fim do dia num tronco de madeira, a barriga cheia apoiada nos joelhos, olhando para o Oriente e o mesmo fazia pela manhã, antes de ajudar a família a tratar do gado e a domesticar o campo.

(...)

 Tinha nome de carne de fumeiro, mas toda a gente lhe chamava Morcela, alguns por Senhor Morcela, desconhecendo que era alcunha.
Morcela tinha comprado a camioneta ao rei do ferro velho de Portalegre, o Senhor Joaquim Antunes, homem que fez fortuna com as velharias, entre elas estanho e chumbo, de todas as origens, mesmo de urnas levantadas em cemitérios, às vezes com algum dente ou cabelo, tudo derretido por igual na fundição clandestina do Seixal a quem o Sr. Joaquim vendia a sucata.
A camioneta tinha sido dada de baixa pelo exército português, praticamente sem andar, mas foi reparada pelas mãos de Morcela, que a levou para Elvas e fez dela modo de vida.
Eram cinco horas da manhã e estava já parada à porta da cave onde dormiam a sono solto, trinta homens em paz.
Os duzentos escudos, tinham já sido pagos a Morcela, que lhe dera as tarimbas, as mantas e o descanso de uma noite tranquila.
Começou a acordá-los às cinco e trinta.
- Vamos, temos muitos quilómetros para andar.
Alegres se levantaram os trinta refugiados, para o seu último destino, Lisboa, a porta da vastidão dos oceanos e caminhos para outros mundos.
Com dois bancos corridos na caixa traseira, os homens sentaram-se frente a frente. Morcela passou-lhe por cima o toldo de lona e fechou-o com cordel.
Quando o ruidoso motor começou a funcionar, os homens sentiram o prazer da liberdade, todos aplaudiram quando o camião se pôs em marcha.
Maus amortecedores, faziam os homens saltar dos assentos entre risos de carrossel.
Sentiam as curvas apertadas que os faziam tombar de lado a lado e transformavam o desconforto em festa.
Não tinham passado quarenta minutos, o camião parou.
Ouviram vozes e abriu-se a lona.
Estavam dentro da praça de touros de Badajoz onde foram fuzilados trinta minutos depois.
Morcela puxou do bloco e como um merceeiro em final de dia, apurou o ganho. Meteu-se no camião, para regressar a Elvas, e rebatendo a consciência com seis contos no bolso, pensou enquanto metia a primeira e fazia o ponto de embraiagem:

- Bem, trinta vermelhos a menos.



In A Mulher do Sargento Espanhol
Aragonez Marques
(A publicar em breve)