Havia
no telhado, mesmo no parapeito do mesmo, algeirós por baixo, um anjo sentado.
Quem
o via, abria muito os olhos, certificava-se que não sonhava e ficava ali, a
ver, e muitas eram já as pessoas que estavam ali, a ver, e o primeiro silêncio
da noite que o sentou no beiral, era agora um ondular de vozes e dedos
espetados para ele.
Tem
asas, diziam, e pernas também, é branco. Não, é cinzento. Não, é creme, anjo?
Perguntavam, coisa, pensavam, raro, compartiam, e raro mesmo, era não terem
medo e permanecerem ali.
Uma
voz atrevida, de um gordo fiado na estatura e robustez ouviu-se sobre o burburinho:
- He!
Você!
Tratou-o
como pessoa.
-Baixe
daí, quer cair?
O ser
manteve-se com a mesma postura e não respondeu, pernas para baixo na ponta das
telhas.
Cair
não cai, ouviu-se, tem asas é porque voa, e o bico? Não tem bico, não é
pássaro, imaginemos que é alguém disfarçado, asas postiças, vindo de uma
qualquer procissão, que perdera a fé e lutava contra o suicídio? Sim, que
daquela altura, se anjo não fosse em breve se tornaria, para quem tem fé, para
quem não tem, um corpo estatelado no chão, talvez ensanguentado, ossos
partidos, certamente, com uma argola de gente em seu redor e ninguém que lhe
tocasse, telemóveis muitos, entupindo o 112, pedindo que alguém viesse para lhe
tocar.
- He!
Você!
O ser
abriu as asas, como eram grandes e brancas, enormes, tornando diminuto o corpo,
e as gentes, deram um passo atrás com HÓS!, muitos HÓS!!..., cada vez mais altos,
ecoando pelas paredes das casas do largo, olhando aquele ser aberto como um
pavão, ameaçando voar mas cortejando primeiro.
Foi
então que se ouviu um vento sibilino e uma aragem levantou os pêlos, por frio,
admiração ou arrepio, das gentes que eram já multidão, e a lua ficou tapada e o
som de um bater de asas enorme ecoou e
outro ser alado circundou o sentado, num volteio, numa circunferência aérea que
ia diminuindo o diâmetro à medida que baixava, baixava, baixava até se sentar
também no beiral ladeando o outro da sua espécie e perante a admiração dos
curiosos que não tiravam os olhos do alto, encostaram as cabeças, numa terna
carícia.
- He!
Vocês!
Ambos
abriram as asas, vum, vum, vum e voaram, voaram, voaram até serem pontos
minúsculos perdidos nas estrelas pequenas e brancas que polvilhavam a noite.
Um
Há! De admiração soou uníssono na rua do bairro.
Todos
tinham assistido a um acto de amor, a um enamoramento ternurento de dois anjos
brancos, ou cinzentos, ou cremes, ou... que importa?
Anjos
e amor.
- Os
anjos não têm sexo? Sim têm, só que por serem anjos, não demonstram as
diferenças do seu género.
- Os
anjos são gays papá?
Puxou
a roupa da cama da filha.
Que
história mais rara acabara de inventar e lhe acabara por contar.
Teria
que reciclar o seu reportório, teria que
se reciclar a si próprio como pai, jurou
que no outro dia, bem cedo, iria à biblioteca municipal requisitar um par de
livros do Walt Disney.
Boa
noite. Que descanses.
E
apagou a luz.
Aragonez Marques
...
madrugada de 13/3/2010...
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