jueves, 26 de marzo de 2020

A TABERNA DE AVELINO CAMEJO (NOVO CHEIRINHO DO NOVO LIVRO)




Capítulo 4.
Os amigos

Todos os dias se viam. Tinham uma camaradagem de irmãos. Muitas vezes jantavam com as mulheres e os filhos, e os Natais eram passados à vez em casa de cada um, todos juntos. 

Poderiam utilizar sempre a courela de Sebastião, onde havia mais espaço, mas tinham decidido rodar anualmente. 

Faziam viagens juntos, excursões que a vizinha, foliona, metia sempre na caixa do correio dos três. 

Já tinham ido juntos ao Santoinho de Viana do Castelo, comer o caldo verde, a sardinhada, dançar e beber o champorrião. Foram também ao Porto, andar de barco por baixo das pontes e visitar as adegas. Era uma paródia, só tinham que ter cuidado com a mulher de Ludovino que, se havia vendas nessas excursões, cobertores, camas ou colchões, televisores ou aparelhos de cozinha, comprava tudo o que podia e depois os regressos não eram os mais alegres, pois Ludovino vinha “birrento” e a mulher calada de arrependimento tardio, pois a sua assinatura no contrato era um agravar das prestações, somadas às que já tinha.

Quando andavam os três sozinhos, diziam: - Olha, ali vão os três porquinhos - Juntos e anafados todos eles, Cícero, Heitor e Prático, Avelino Camejo, Sebastião e Ludovino tinham lobo comum, as mulheres, que lhes apareciam quando menos esperavam, e sopravam até os meterem nas únicas casas seguras, as suas.

Avelino e Ludovino conheciam-se de crianças, foram juntos à escola, tirando alguns tempos em que Avelino ia para a casa da tia, na Cidade. Já Sebastião, o com mais humor de todos eles, tinha e fazia-os ter quando juntos, apareceu mais tarde, na tropa, ora vejam bem terem os três feito juntos o serviço militar e terem-se conhecido no Entroncamento, mudando de comboios e apanhando o mesmo que os levaria a Leiria ao Centro de Recrutamento.

Avelino quando o comboio arrancou, tinha a cabeça na porta e estava feliz a ver a estação a afastar-se, desconhecendo que as portas eram automáticas, ficou com a cabeça entalada. 

Ludovino tentando puxá-lo para dentro enrolado à sua cintura e Sebastião, que nenhum conhecia:

- Socorro, acudam, socorro!!!

Um passageiro carregou no botão de abrir as portas e salvou Avelino que libertou a cabeça, mas com duas feridas atrás das orelhas dos puxões que lhe dava Ludovino.

O passageiro perguntou:
- Não sabiam que tinham que carregar aqui para abrir as portas? – e apontou o botão.

Sebastião que não gostava de ser considerado ignorante, respondeu:
- Fiquei em pânico, não me lembrei, só pensava que podia passar um comboio em sentido contrário e zás, cabeça fora.

O passageiro foi para dentro pensando “que pacóvios”.

Eles olharam uns para os outros e não conseguiram parar o riso, as gargalhadas saíam incontroladas.

Nenhum deles tinha nunca andado de comboio e se o faziam agora, era para irem “às sortes” (inspecção militar) com guia de marcha com viagem e estadia paga.

Foram para dentro e ficaram colados às janelas a ver as árvores a andar para trás.

Ainda foram ver a casa de banho, nunca tinham visto nenhuma num comboio e pelo sim pelo não, entraram os três, mão na porta não fosse esta fechar-se e eles não encontrarem o botão.

Jantaram no quartel mostrando a guia. Foi terrível, os soldados metiam-se com eles, atiravam-lhes bolinhas de pão amassado com os dedos e diziam-lhes:
- Pio, pio, pio...
Era uma sopa grossa de massa e feijão.
Sebastião gostou.
Dormiram no quartel também, mas aí melhor, era uma camarata apenas para os pios-pios que no outro dia iam à inspeção.

Um sargento entrou e disse-lhes:
- Vou fechar as luzes, amanhã às seis, levantar, seis e quarenta e cinco pequeno-almoço na cantina, sete e quinze pátio, mas às oito horas todos em forma para os levarmos ao Centro de Recrutamento onde os oficiais médicos os esperam. Há duas enfermeiras a ajudar, a quem vir subir o pau, corto-o, e tirou a faca de mato do cinto.

Os três, sem falarem uns com os outros tinham uma estratégia para ficarem “livres”, mas guardavam-na para si.

Aquilo tinha três partes.
A primeira era fazerem contas, problemas, quadrados para acabar, circunferências para meterem dentro, em mesas individuais como se fosse uma escola.

A segunda eram umas máquinas de onde saíam fichas com números que tinham que enfiar nas ranhuras numeradas com uma velocidade que ia aumentando.

A terceira é que foi a surpresa. 

Todos em fila indiana e em pelota, duas filas, uma por cada oficial médico, e sim, era verdade havia duas enfermeiras, mas o cagufo era tanto que iam encolhidos e cabisbaixos desde que se despiram até que os mandaram vestir.

As duas primeiras partes, mesmo que o quisessem fazer melhor, era impossível, tinha corrido mal, melhor para eles.

O primeiro foi o Avelino que levava como estratégia ver mal do olho direito.

Com o esquerdo via tudo, V H C U P  V H C U P  V H C U P  com o esquerdo trocava tudo, do V um U, do H um A, do C um S, do U um 0, do P um R.

O médico perguntou-lhe:
- És alérgico a alguma coisa?
- Não, que eu saiba.
- Tens pé chato?
- Não, que eu saiba.
- Levanta o pé.
Avelino levantou-o:
- Parece o Arco da Rua Augusta e da vista não te preocupes, aprendes a disparar à esquerda que esse olho direito é uma maravilha.
Pum, pum. O carimbo bateu na almofada da tinta e no papel e desenhou “Apurado” na sua ficha.
- Vai-te vestir, outro!

O outro era Ludovino que não se podia esquecer da palavra “amparo”.

- Alergias?
- Não, mas Senhor Doutor Capitão, eu sou órfão de pai, vivo com a minha mãe e uma irmã, sou o único homem da casa, sou amparo.
- E como amparas? Onde trabalhas?
- Estou à procura de emprego...
- Então estás desempregado.
- Por enquanto...
- Ótimo, menos uma boca em casa a ajudar o esforço da tua mãe.
Pum, pum, “Apurado”.
- Vai vestir-te, outro!

Sebastião aprendeu a dizer “toxicodependente”, pois sabia que não queriam drogados na tropa. Precisavam de gente, mesmo coxos, que a guerra estava para acabar, dizia-se, com o 25 de Abril há poucos meses, mas dizia-se... os homens estavam lá e a política de recrutamento não tinha sido alterada, pelo menos até agora.

Antes que o oficial médico lhe dissesse algo, Sebastião disse logo:

- Sou toxicodependente!

- Cavalo?

- Para a cavalaria não posso ir, não sei andar de cavalo e sou alérgico ao pêlo.

O médico levantou a cabeça:

- Heroína.

- Conheço algumas, mas a que mais gosto é da Padeira de Aljubarrota.
Não sem uma gargalhada, pum-pum, “Apurado”.

Assim se conheceram os três amigos, desde essa altura e até hoje completamente inseparáveis.

In A TABERNA DE AVELINO CAMEJO
(...a ser escrito...)

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