jueves, 2 de abril de 2020

A TABERNA DE AVELINO CAMEJO (CHEIRINHO PARA O FIM DE SEMANA)



Capítulo 9.
 O fim dos serviços da Aldeia da Pena


Primeiro ouvia-se à boca pequena que iam fechar a escola, e logo dois anos depois de terem inaugurado com estilo a Telescola, que tinha levado os meninos a fazerem aí também o preparatório, junto das famílias, abrilhantada no primeiro dia, pelas entidades e pelo Rancho Folclórico de Aldeia da Pena.

Tinha assim uma educadora de infância com 14 meninos, uma primeira fase da primária, 1º e 2º ano, com 12 alunos e um professor, uma segunda fase de , 3º e 4º ano com 9 e o posto com 16 alunos no preparatório da Telescola, 7 no 1º ano e 12 no 2º com dois professores que funcionavam nas mesmas salas pela tarde, um com as disciplinas de Ciências e outro com as de Letras.

Tinha assim a escola cinco professores para cinquenta e quatro alunos.

- Não fecham nada, isso são boatos e depois? Que faziam aos alunos?
- Vão para a escola grande da Vila...
A primeira a fechar, foi a Telescola e levaram televisões, antenas, biblioteca, tudo o que puderam.
Reuniram os pais, das vantagens da proximidade dos professores e dos seus alunos com outros recursos materiais, pois a Escola grande da Vila tinha tudo, mapas, laboratórios para abrirem sapos e rãs, as crianças ficavam melhores, até tinham pavilhão para jogarem mesmo que chovesse e chuveiros para se molharem depois.

- E os irmãos? Os pais e avós? A família, as ruas da terra e de terra? Os ofícios? onde aprendiam fora da escola com os artesão mais velhos? A olaria? O meter que fosse um par de sapatos na forma? - Falava bem o Presidente da Junta- a relação entre eles? As brincadeiras, a pesca? o descobrirem os ninhos e saberem os nomes das árvores da sua aldeia? Não eram recursos que estavam a ser retirados para sempre? Estavam a roubar-lhes os filhos!

- Pois, mas está decidido! Não viemos pedir opinião!
E se estava decidido, decidido ficou.

Acabou a reunião quase como os jogos de futebol entre Aldeia da Pena e a aldeia de Vitória e se não houve pedradas, foi porque o Presidente da Junta protegeu os homens ao contrário de como também, quase sempre, não defendia os árbitros quando havia sarrabulho, interferiu como no final dos bailes da romaria da Senhora da paz, onde de braços abertos, se metia na confusão aos berros:

-Para o ano acabo com a merda da Comissão de Festas!

Por essa altura, a livraria teve a primeira rasteira, os livros e materiais do segundo ciclo deixaram de ter venda. Com eles as prendinhas de aniversário das festas dos putos, os jornais dos pais que partiram com os filhos para a Vila e quando lhe foi retirado pela Santa Casa da Misericórdia o totoloto e a lotaria por não se justificar uma agência na aldeia, as coisas ficaram feias e foi fechando em agonia.

Muitas famílias deslocaram-se para Vila Alva de Pena com os filhos e levaram os mais pequenos.
Começou o corte abrupto de relação entre gerações, avós separados dos netos.
Depois, com mais insistência começou a falar-se da escola primária e do jardim de infância.

Os pais fizeram uma reunião, desta vez proposta por eles e com o apoio da Junta de Freguesia e manifestaram-se frente à porta da escola, com cartazes contra o fecho da mesma.

Tiveram que vir uns senhores com gravatas, do Ministério, conhecedores do que era melhor e pior para a vida dos filhos dos outros.

Quando a situação começou a piorar, como o futebol e o final dos bailes das romarias da Senhora da Paz, sacaram da manga uma palavra nova “amianto”, que junta com uma velha “cancro”, fez os pais dar dois passos atrás.

-A escola tem amianto, um perigo para as vossas crianças.

A Câmara Municipal de Vila Alva da Pena colocava os transportes, a escola nova da Vila dava as refeições, tinham muito espaço e professores, para poderem fazer jogos, com bolas, arcos e todos os materiais que desconheciam como pinos, com balneários e até um parque infantil.

A escolha começava a ser agora entre o paraíso e o inferno.

Fizeram como entenderam e fecharam mesmo a escola e os autocarros da Câmara passaram a ser visitas frequentes da aldeia. Nos primeiros dias, choravam mães e crianças, depois, foram-se habituando.
-Na Escola Grande há de tudo, tabaco, drogas, palavrões, namoros sacados de filmes da net, que futuro?
- As crianças têm que aprender a viver no mundo real, defenderem-se dele e fazerem as suas próprias escolhas – dizia um dos senhores de gravata chamado a responder a este problema.

- E não é cedo demais para isso?

- O futuro já começou ontem – respondeu com sabedoria o senhor, com filhos da mesma idade – dizia - mas esquecendo-se de referir que estavam matriculados num colégio privado, onde mesmo com dinheiro, quem trouxesse rastos de comportamentos inadequados, não era admitido.

O Presidente da Junta, agora com um edifício fechado, fez dele um Centro de Dia, abriu-o com pompa e circunstância e os velhos tinham um bar com café, cerveja e empadas que não comiam que a reforma era apertada. Às vezes um rissol para não beber sem comer. 
As mulheres também iam e para além de verem televisão, numa que a Telescola esqueceu por engano, podiam ter acesso aos programas que viam nas salas de espera do hospital da Vila, a Júlia e o Baião, por isso faziam melhor, davam à língua e faziam malha.

O amianto foi esquecido, e as auxiliares da escola, como funcionárias da Junta, mudaram as funções e passaram das crianças para os idosos, tratando-os muitas vezes como meninos:

- Então que conversa é essa? Tratares-me por tu? Vi-te nascer rapariga!

Tudo começou a fechar na aldeia com a falta dos pais que acompanharam os filhos. Os transportes também foram à vida e a estação de comboios passou a luxuoso restaurante depois de vendido a uma sociedade anónima da Vila.

O Apeadeiro.

Dava meia dúzia de empregos a gente da aldeia que lavavam loiças e serviam mesas fardados com lacinho e tudo.

Quando vemos os meninos de um rancho folclórico dançar, inebriados pela inocência, esquecemos que os grupos infantis são a escola que alimenta o grupo de adolescentes  e adultos. Sem elas. O rancho Folclórico de Aldeia da Pena, fechou. O Senhor Parreira foi convidado para criar um na Vila e lá foi, inaugurar o Rancho de Danças e Cantares de Vila Alva da Pena.

Com o encerramento do Banco, fecharam as pequenas casas de pasto onde comiam os funcionários, também os professores, tudo se foi e só não era um deserto porque areia não havia e alguns dos habitantes continuavam a resistir.

Para além da taberna do Avelino, manteve-se o mini-mercado da Chica Badalo, Badalo de anexim, pois incapaz de guardar um segredo era cusca ao ponto de comentar a vida de toda a gente.

Para além do Apeadeiro, abriu, sim abriu, com coragem e oportunidade, uma loja de chineses, que fez encerrar a drogaria, o sapateiro e a pequena retrosaria do João do Botão.

A loja dos chineses tinha tudo, desde pregos, roupas, sapatos, brinquedos, cadernos, lápis e invenções. Não deram trabalho a ninguém da aldeia e fora dela e aprenderam português sem escola. Na loja só tinha trabalho quem tivesse os olhos em bico, filhos, filhas, noras, genros e até netos com idade de carteira e sacola. 

Eram trabalhadores, para eles não havia folgas nem horários, abertos sempre, fizesse sol ou chuva, fosse tarde ou manhã, fosse sábado, domingo ou feriado.

Mas foi o fecho dos Correios que mais comentários gerou.

Então não é que foram entregar os CTT ao mini-mercado da Chica Badalo?

- Ó António passa por lá que tens uma carta do Tribunal para assinar se queres ler...ou dares a ler que na escola ainda eras pior que o Avelino.

- Recebeste hoje a reforma, podes pagar a conta, toma que eu dou-ta. Assina e tens aqui o troco do que me devias.

- Uma encomenda para si, senhor Jacinto, é do seu filho – depois chocalhava-a – não se ouve nada, vem bem embrulhado, cá para mim, são um par de sapatos, que os seus estão uma lástima.

O carteiro ia uma ou duas vezes por semana, às vezes nenhuma e o pior é que nunca era o mesmo. 

Tocava uma vez e se não houvesse ninguém, entregava ao badalo, que também vendia selos, enviava encomendas e faxes e tirava fotocópias.

Foi através do mini-mercado, que toda a gente da aldeia soube que o tribunal tinha notificado todos os elementos do IVAP por terem colocado o acento aguda nas placas da aldeia.



  ALDEIA DÁ PENA


                                                                      (...)
                      
in A TABERNA DE AVELINO CAMEJO
(em construção)
Aragonez Marques

1 comentario:

Unknown dijo...

Tudo tão certo como o ensaiador chamar-se Parreira.

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