Capítulo 9.
O fim dos serviços da Aldeia da Pena
Primeiro ouvia-se à boca pequena que iam
fechar a escola, e logo dois anos depois de terem inaugurado com estilo a
Telescola, que tinha levado os meninos a fazerem aí também o preparatório,
junto das famílias, abrilhantada no primeiro dia, pelas entidades e pelo Rancho
Folclórico de Aldeia da Pena.
Tinha assim uma educadora de infância
com 14 meninos, uma primeira fase da primária, 1º e 2º ano, com 12 alunos e um
professor, uma segunda fase de , 3º e 4º ano com 9 e o posto com 16 alunos no
preparatório da Telescola, 7 no 1º ano e 12 no 2º com dois professores que
funcionavam nas mesmas salas pela tarde, um com as disciplinas de Ciências e
outro com as de Letras.
Tinha assim a escola cinco professores
para cinquenta e quatro alunos.
- Não fecham nada, isso são boatos e
depois? Que faziam aos alunos?
- Vão para a escola grande da Vila...
A primeira a fechar, foi a Telescola e
levaram televisões, antenas, biblioteca, tudo o que puderam.
Reuniram os pais, das vantagens da
proximidade dos professores e dos seus alunos com outros recursos materiais,
pois a Escola grande da Vila tinha tudo, mapas, laboratórios para abrirem sapos
e rãs, as crianças ficavam melhores, até tinham pavilhão para jogarem mesmo que
chovesse e chuveiros para se molharem depois.
- E os irmãos? Os pais e avós? A
família, as ruas da terra e de terra? Os ofícios? onde aprendiam fora da escola
com os artesão mais velhos? A olaria? O meter que fosse um par de sapatos na
forma? - Falava bem o Presidente da Junta- a relação entre eles? As
brincadeiras, a pesca? o descobrirem os ninhos e saberem os nomes das árvores
da sua aldeia? Não eram recursos que estavam a ser retirados para sempre?
Estavam a roubar-lhes os filhos!
- Pois, mas está decidido! Não viemos
pedir opinião!
E se estava decidido, decidido ficou.
Acabou a reunião quase como os jogos de
futebol entre Aldeia da Pena e a aldeia de Vitória e se não houve pedradas, foi
porque o Presidente da Junta protegeu os homens ao contrário de como também,
quase sempre, não defendia os árbitros quando havia sarrabulho, interferiu como
no final dos bailes da romaria da Senhora da paz, onde de braços abertos, se
metia na confusão aos berros:
-Para o ano acabo com a merda da
Comissão de Festas!
Por essa altura, a livraria teve a
primeira rasteira, os livros e materiais do segundo ciclo deixaram de ter
venda. Com eles as prendinhas de aniversário das festas dos putos, os jornais
dos pais que partiram com os filhos para a Vila e quando lhe foi retirado pela
Santa Casa da Misericórdia o totoloto e a lotaria por não se justificar uma
agência na aldeia, as coisas ficaram feias e foi fechando em agonia.
Muitas famílias deslocaram-se para Vila
Alva de Pena com os filhos e levaram os mais pequenos.
Começou o corte abrupto de relação entre
gerações, avós separados dos netos.
Depois, com mais insistência começou a
falar-se da escola primária e do jardim de infância.
Os pais fizeram uma reunião, desta vez
proposta por eles e com o apoio da Junta de Freguesia e manifestaram-se frente
à porta da escola, com cartazes contra o fecho da mesma.
Tiveram que vir uns senhores com
gravatas, do Ministério, conhecedores do que era melhor e pior para a vida dos
filhos dos outros.
Quando a situação começou a piorar, como
o futebol e o final dos bailes das romarias da Senhora da Paz, sacaram da manga
uma palavra nova “amianto”, que junta com uma velha “cancro”, fez os pais dar
dois passos atrás.
-A escola tem amianto, um perigo para as
vossas crianças.
A Câmara Municipal de Vila Alva da Pena
colocava os transportes, a escola nova da Vila dava as refeições, tinham muito
espaço e professores, para poderem fazer jogos, com bolas, arcos e todos os
materiais que desconheciam como pinos, com balneários e até um parque infantil.
A escolha começava a ser agora entre o
paraíso e o inferno.
Fizeram como entenderam e fecharam mesmo
a escola e os autocarros da Câmara passaram a ser visitas frequentes da aldeia.
Nos primeiros dias, choravam mães e crianças, depois, foram-se habituando.
-Na Escola Grande há de tudo, tabaco,
drogas, palavrões, namoros sacados de filmes da net, que futuro?
- As crianças têm que aprender a viver
no mundo real, defenderem-se dele e fazerem as suas próprias escolhas – dizia
um dos senhores de gravata chamado a responder a este problema.
- E não é cedo demais para isso?
- O futuro já começou ontem – respondeu
com sabedoria o senhor, com filhos da mesma idade – dizia - mas esquecendo-se
de referir que estavam matriculados num colégio privado, onde mesmo com
dinheiro, quem trouxesse rastos de comportamentos inadequados, não era admitido.
O Presidente da Junta, agora com um
edifício fechado, fez dele um Centro de Dia, abriu-o com pompa e circunstância
e os velhos tinham um bar com café, cerveja e empadas que não comiam que a
reforma era apertada. Às vezes um rissol para não beber sem comer.
As mulheres
também iam e para além de verem televisão, numa que a Telescola esqueceu por
engano, podiam ter acesso aos programas que viam nas salas de espera do
hospital da Vila, a Júlia e o Baião, por isso faziam melhor, davam à língua e
faziam malha.
O amianto foi esquecido, e as auxiliares
da escola, como funcionárias da Junta, mudaram as funções e passaram das
crianças para os idosos, tratando-os muitas vezes como meninos:
- Então que conversa é essa? Tratares-me
por tu? Vi-te nascer rapariga!
Tudo começou a fechar na aldeia com a
falta dos pais que acompanharam os filhos. Os transportes também foram à vida e
a estação de comboios passou a luxuoso restaurante depois de vendido a uma
sociedade anónima da Vila.
O Apeadeiro.
Dava meia dúzia de empregos a gente da
aldeia que lavavam loiças e serviam mesas fardados com lacinho e tudo.
Quando vemos os meninos de um rancho
folclórico dançar, inebriados pela inocência, esquecemos que os grupos infantis
são a escola que alimenta o grupo de adolescentes e adultos. Sem elas. O rancho
Folclórico de Aldeia da Pena, fechou. O Senhor Parreira foi convidado para
criar um na Vila e lá foi, inaugurar o Rancho de Danças e Cantares de Vila Alva
da Pena.
Com o encerramento do Banco, fecharam as
pequenas casas de pasto onde comiam os funcionários, também os professores,
tudo se foi e só não era um deserto porque areia não havia e alguns dos
habitantes continuavam a resistir.
Para além da taberna do Avelino,
manteve-se o mini-mercado da Chica Badalo, Badalo de anexim, pois incapaz de
guardar um segredo era cusca ao ponto de comentar a vida de toda a gente.
Para além do Apeadeiro, abriu, sim
abriu, com coragem e oportunidade, uma loja de chineses, que fez encerrar a
drogaria, o sapateiro e a pequena retrosaria do João do Botão.
A loja dos chineses tinha tudo, desde
pregos, roupas, sapatos, brinquedos, cadernos, lápis e invenções. Não deram
trabalho a ninguém da aldeia e fora dela e aprenderam português sem escola. Na
loja só tinha trabalho quem tivesse os olhos em bico, filhos, filhas, noras,
genros e até netos com idade de carteira e sacola.
Eram trabalhadores, para
eles não havia folgas nem horários, abertos sempre, fizesse sol ou chuva, fosse
tarde ou manhã, fosse sábado, domingo ou feriado.
Mas foi o fecho dos Correios que mais
comentários gerou.
Então não é que foram entregar os CTT ao
mini-mercado da Chica Badalo?
- Ó António passa por lá que tens uma
carta do Tribunal para assinar se queres ler...ou dares a ler que na escola
ainda eras pior que o Avelino.
- Recebeste hoje a reforma, podes pagar
a conta, toma que eu dou-ta. Assina e tens aqui o troco do que me devias.
- Uma encomenda para si, senhor Jacinto,
é do seu filho – depois chocalhava-a – não se ouve nada, vem bem embrulhado, cá
para mim, são um par de sapatos, que os seus estão uma lástima.
O carteiro ia uma ou duas vezes por
semana, às vezes nenhuma e o pior é que nunca era o mesmo.
Tocava uma vez e se
não houvesse ninguém, entregava ao badalo, que também vendia selos, enviava encomendas e faxes e tirava fotocópias.
Foi através do mini-mercado, que toda a
gente da aldeia soube que o tribunal tinha notificado todos os elementos do
IVAP por terem colocado o acento aguda nas placas da aldeia.
ALDEIA DÁ PENA
|
(...)
(em construção)
Aragonez Marques
1 comentario:
Tudo tão certo como o ensaiador chamar-se Parreira.
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