jueves, 14 de octubre de 2021

SIM. CONTINUO SEM INTERRUPÇÕES A ESCREVER NO LUSITANO DE ZURIQUE.

 


Perante perguntas que me têm sido feitas sobre se mantenho a minha crónica mensal na Suíça, claro que sim. Filigrana Editora é apenas onde edito os meus livros. Se tem deixado de noticiar regularmente as publicações, é porque lhe não compete fazê-lo. Os seus autores são livres de fazerem o que entendem no mundo editorial. Só isso, que fique claro.
Deixo a crónica deste mês:




Do Nosso Cantinho para o vosso Cantão

 

Novo ano letivo e um Senhor chamado Sampaio

Talvez da idade, quem sabe, cada vez que começa a escola, menos vontade tenho de trabalhar. Quarenta e dois anos de serviço e aí estou, com sessenta e quatro de idade, a fazer mais um, nesta reforma que tarda e vai aumentando, não em benefícios, mas em tempo. Agora, aumentaram mais um mês, grão a grão vão enchendo o papo da galinha, sessenta e seis anos e sete meses.

Os meus colegas tratam-me por você, alguns foram alunos meus e andam com contratos a prazo, correndo o país, numa volta a Portugal, paga do seu bolso, procurando uma camisola amarela que lhes permita parar, casar, ter filhos, e alguns, andam nesta volta há 15 anos, contrato a contrato, quilómetro a quilómetro.

Comecei ontem, depois de com duas doses da vacina, me terem de novo escarafunchado o nariz. Precavidos, ao mesmo tempo que entregam aos alunos manuais escolares já escritos e mal apagados, metendo na casa de cada um, para uso diário, livros que vêm sabe lá de quem, apagados por gente que se desconhece e cortando aquela alegria que todos nós tivemos dos livros e materiais novos, que nos faziam começar o ano cheios de curiosidade. Desinfetam mesas e cadeiras a toda a hora, cada professor recebeu um conjunto de máscaras e marcadores para escrever nos quadros, individuais, não podem os alunos trocar materiais o – empresta-me uma borracha? – acabou, é perigoso, mas metem livros inapropriados, usados na casa de milhões de crianças portuguesas, sem se saber as suas origens, enquanto as bibliotecas escolares, têm fitas vermelhas e brancas, a trancar os livros que não podem ser requisitados…pela pandemia que continua.

Talvez seja da idade, mas ando confuso e tenho preguiça até de reclamar. Tenho tanta coisa que gostava de fazer ainda, e a escola come-me o tempo, sem entender que já não corro, não salto à corda, não brinco da mesma forma com os meus alunos, só sentado na cadeira ou no sofá ou ainda, no chão com o meu neto.

Sou avô.

A minha escola está cheia de avós e apesar de vários concursos abertos, não há professores. Não há mais corredores de fundo para entrarem na corrida da volta a Portugal. Na escola de formação de professores do meu distrito, este ano, saíram zero professores. Ainda se matricularam três, mas mudaram de curso a meio.

Tenho preguiça e ontem, senti vergonha de a ter.

Portugal acordou de luto com o desaparecimento de Jorge Sampaio. Desde as lutas académicas, passando pela Câmara de Lisboa onde erradicou as barracas, pela Presidência da República onde se empenhou na causa de Timor-Leste, onde foi pessoalmente três vezes, muitas noites sem dormir, uma vontade indomável de apoiar uma saída digna para aquele povo, e já velho, mandou parar o carro quando viu os senhores da Troica a tomarem café numa pastelaria. Entrou nela aquele furacão ruivo, como lhe chamou Marcelo Rebelo de Sousa, aproximou-se da mesa, dedo erguido e com o seu inglês perfeito confrontou-os:

- Os senhores não sabem nada deste país!

Foi olhando para a vida deste Homem, que senti vergonha da minha preguiça, da minha desistência.

Vou continuar.

Há pessoas que nos fazem mudar com seu exemplo.

Aragonez Marques

 

 


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