O COICE
Está a terminar Outubro, o primeiro que me lembre sem
comemorações da República. Quem diria? Com o dinheiral e ilusões gastos nos
festejos dos 100 anos, há tão pouco tempo, com trabalhos feitos pelos meninos
da escola, livros editados para a ocasião, pompa. Talvez por isso os Espanhóis
chamem pompa a uma bola de sabão, eles que, monárquicos cada vez com menos Rei,
sempre que o tentaram nas suas duas bolas de sabão sem folego, pensavam que era
feriado o 5 de Outubro, por ser o dia de Portugal na Feira de Zafra. Talvez
mesmo pensando, que era festivo, para que os portugueses fossem ver os toiros,
ovelhas e cavalos.
Palavra como cerejas, nas escolas, comemorou-se não a 5, mas
a 4 de Outubro, o dia do animal.
Com novas modas, sempre tão criativas como saloias, num
calendário onde faltam dias para os dias de: … mulheres, pai, mãe, avós,
criança, namorados, bruxas, turista, alimentação, normalização, cancro…
competindo com o santuário onde são já os dias de mais do que um santo, e um
dia de todos juntos para os que não tenham dia nenhum, aí foi a minha escola
para mais uma comemoração.
Falou a Manuela, educadora de infância e ativista infantil,
com a mãe de um antigo aluno, hoje com pelos na cara que vive numa quinta ali
perto. Aí foi a escola, em peso, ver os toiros, as ovelhas e os cavalos, mas
também os gatos, os cães, as galinhas e os patos.
Dividimos os gaiatos por grupos, equipas com tarefas a
realizar na quinta. Diferenciar mamíferos, aves e peixes, colocar cada animal
na sua família, com recolhas de imagens, descrições escritas e fichas de
verdadeiro e falso com tem pelo não tem pelo, bebe leite não bebe leite, essas
coisinhas que é melhor descobrir-se do que ouvir-se apenas, até porque
perguntas a dúvidas como se todos os mamíferos andavam 9 meses de balão, iam
anotadas em estado puro, para a entrevista à dona da propriedade.
Para quem diz que os pais estão arredados da escola, que são
alheios ao que se passa e pouco ou nada interferem de um lado para o outro da
vedação, fechada a sete chaves, aberta apenas quatro vezes por dia e por onde
nos intervalos espreitam como para jaula gigante, introduzindo bananas e
bolicaos pelas grades como no zoológico, não sei se por questões ditas de
segurança para os meninos e meninas ou para os corpos docentes de senhores
professores e minhas senhoras, sotores e sotoras alguns, cada vez mais, apesar
de ganharem cada vez menos, o mês de outubro foi para mim referente desse
engano.
Claro que os encarregados de educação não estão alheios, e
interferem, e fazem parte do universo escolar, apesar das grades e das melhores
fechaduras.
Os grupos, com os trabalhos já feitos, conquistadores de
pontos por cada tarefa cumprida em equipa, foram premiados em cerimónia de fim
de dia. Foram feitas umas medalhas de cartão do fim dos blocos dos cadernos,
com a referência ao dia, e que atribuía primeiro, segundo e terceiro lugar às
equipas de investigação que pesquisaram na quinta. Tinham as medalhas uma fita
de papel de embrulho, vermelha e reluzente que foi colocada no pescoço dos
elementos das equipas que melhor trabalharam. No outro dia, logo pela manhã,
apresentou-se uma mãe, com a medalha de cartão do filho na mão, a outra na
cintura. Na medalha estava escrito o nome da escola, a data da visita, 4 de
Outubro, dia do animal e por baixo um 1º, grande e bem desenhado a negro.
- Minha senhora, não sei porque o meu filho levou isto ontem
para casa, nem porque acha que é o animal nº1.
Embasbacada, a diretora lá explicou que aquilo significava um
primeiro prémio, num concurso e tal e tal …que o professor era assim, sempre
com invenções e tal, e tal e tal…
Lá foi a mãe feliz, levando a medalha que trazia escondida,
pendurada agora dos dedos à vista de toda a gente.
Alheios ao que se passa na escola? Claro que não!
Também no final da atividade e quando se abordou que houve
animais que se não tinham visto, num esforço dos professores, para que
chegassem à conclusão de que na quinta não haviam peixes, e reforçando a pergunta
de qual o animal que não havia, o Carlos, disse prontamente:
- Os burros!
Quais burros?... outros que respiram por guelras, têm
escamas… mas sabendo que o Carlos tinha razão e que burros também não havia, a
professora disse-lhe:
- Os burros, também já são poucos mas prometo-vos que quando
fizermos a visita de estudo a Lisboa…
- Vamos à Axembleia.
- À Assembleia Carlos? Vamos a uma quinta pedagógica onde há
muitos animais domésticos e também burros certamente.
- O mê pai dixe-me que em Lisboa na Axembleia há muitos burros.
Os pais não interferem na escola? Claro que sim!
Eu fiquei como o Scolari e em vez de exclamar “e depois o
burro sou eu”, pensei: os burros somos nós, que aí os juntámos, com o nosso
voto, nesta democracia de faz de conta, onde nos levam a assinar cheques em
branco para depois nos devolverem as contas completamente carecas.
Evidentemente que os burros somos nós.
Tenho a certeza que é necessário, deixarmos de zurrar nos
cafés, nas avenidas e nas pontes e passarmos de vez a escoicear.
Arre!
Aragonez Marques
Nota:
Os meus agradecimentos ao António João Rosinha, dono do EX em
Campo Maior, lugar onde tenho escrito nos dois últimos meses, o novo livro que
tenho, da mente para papel, e as croniquetas para os jornais, com a
disponibilidade da sua rede de net, e de onde faço escritório, todos os dias,
no fim do trabalho pago.
Ao Rosinha, e à educadora Manuela, inspiradora desta crónica.