Professores de marmita
É a nova geração.
Chegam de norte a sul,
colocados pela plataforma, decidem em 24 horas se aceitam ou não o lugar, e aí
vão…
Alugam quartos ao mês
e comem asinhas fritas de frango, nas salas de aula, poupando o dinheiro das cantinas
escolares, que esta história dos subsídios de alimentação é uma treta e mais do
que nunca fazem parte do salário.
Ontem chegou um, veio
ocupar o último quarto livre da casa onde também estou. Trazia mochila e vinha
de Arcos de Valdevez. Matemática. Professor de matemáticas, não sei se parte
integrante dos novos programas. Lembrei-me dos tempos em que comecei, também de
mochila, só que nessa altura, por essas datas, a mochila levava sonhos, começos
e esperanças. Hoje, quem chega, roça os quarenta anos, quem vai ou vem está sem
filhos, família, apenas tem projectos de esposas e mães de rebentos por nascer,
noutras escolas, noutras terras, deste
mapa pequeno, mas gigantesco, para quem leva metade da casa às costas. Com
essas idades, já eu tinha apartamento da Caixa Geral de Depósitos, filhas e
caminho a percorrer. Agora, procuram-se vinte euros para pagar exames, atrasos,
como quem adia uma dívida à custa de desculpas mal contadas.
Adia.
É a geração dos
professores de marmita.
Saí agora do quarto
alugado, ver se a selecção nacional me alivia a angústia depois do violento e
último roubo de mais de metade do subsídio de férias. Deixei o novo companheiro
a enrolar cigarros com máquina dos chineses e a fazer a sua primeira
participação de falta disciplinar a aluno, obrigado a estar na escola para
efeitos estatísticos.
Vir um homem de tão
longe para fazer participações disciplinares…
Está cinzenta esta
escola que quer comer a outra escola que (ia escrever tinha) tem dentro.
Ontem.
O papá leva o gato
- Senhor professor eu
tenho um gato…
E o professor
aproveitou, e deixou falar sobre o gato, que bebia leite, que tinha pelo,
quanto media? Já mediu dez centímetros, agora mede aí um metro… um metro? Vai
lá buscar o metro, heia! Que grande gato, vá lá vinte centímetros…
Hoje.
O papá leva o gato
- Senhor professor eu
tenho um gato.
- Calou!! Perguntei-te
alguma coisa? O menino só fala quando lhe perguntarem. Entendeu? Cada vez
chegam piores, nem deixam trabalhar…
Há na realidade duas
escolas, uma cinzenta com boca grande, disciplina, pontualidade, rigor… uma
merda. Desculpa mãe, lá me saiu mais uma asneira. Tu sabes que não digo
palavrões quando falo, mas a escrever, saem-me às vezes. Prometo que substituo
a “palavrona” daqui para o futuro por “uma coisa”. Contente? Bem, mas falava
das escolas e dos professores, com quem me zanguei muito por não terem aderido
à greve do passado dia oito, mas que já perdoei, pois não há dúvida que esta
malta não tem dinheiro nem para os cartazes e apitos das manifestações, quanto
mais para perder um dia de trabalho. Temos que inventar novas formas de
protesto, sem que nos venham ao bolso. Ficarmos todos na escola, a fazer uma
chouriçada de protesto e mandarmos às urtigas os trezentos euros com que nos
querem comprar para corrigir exames de colegas, companheiros de viagem, ainda
por cima, nas férias de Natal.
É perverso.
A escola da boca
grande, como as plantas invasoras do Guadiana, enche o cenário de verde e
clorofila de esperança, mas asfixia tudo o que se move no rio. Abanam a árvore
da escola pública de alto a baixo, à mão e à máquina como as oliveiras, de
noite e de dia, porque tem pressa em
criar gente temerosa do futuro, bons dominadores da escrita e dos números (na
óptica do utilizador), a que chamam Língua e Matemática, suprimindo qualquer
área de expressão que motive ou estimule a criatividade, querem actuantes e não
pensantes, que trabalhem num modelo de sociedade de produção barata, que
assinem sem pestanejar novos contractos, sem segurança de futuro, por qualquer
salário, e com reformas e idades a perder de vista. Para isso precisam desta
escola e de preferência sem professores da geração de Abril, não se coibindo de
os tentar comprar com montantes ludibriosos, que os levem a largar as paredes
com vida, ainda, da escola que ajudaram a criar.
Precisam de “nova”
escola para “novo” estado novo.
Precisam de pessoas
com medo e por isso apontam para exames, metas, estimativas, novos programas,
novos professores. Não contam para as rescisões amigáveis os anos de doença,
pelo que, para além de docentes jovens e submissos, que os outros já emigraram,
não se importam de ficar também com docentes doentes, pensando, quem sabe,
poupar, com a junção do Ministério da Saúde com o da Educação. Atrevem-se a
transformar a escola pública em gigantesco laboratório de experiências,
cobaias, mesmo com o corte de relações das Universidades, reitores e alunos
desta vez em uníssono, perante o descredito e a estupidez. Os meninos do governo,
como lhes chama Lobo Antunes, vivem na total impunidade, ameaçando mesmo o
Tribunal Constitucional com o apoio de quem jurou defender a Constituição,
defendendo-nos a nós, portugueses e portuguesas.
São meninos da linha,
cruéis e tiranetes a quem devemos quanto antes cortar as unhas, que começam a
crescer, até porque nunca foram arranhados pela vida e não sabem o que isso
dói.
Entretanto, enquanto o
pau vai e vem, julgamos folgar as costas, mas não, apenas duplicamos as
marmitas.
E porque o prometido é
devido:
- Isto é uma coisa!
Viste mãe? Que educado
é o teu filho professor.
A propósito, parabéns
pelo teu aniversário.
Que saudades tenho de
quando tinhas a minha idade.
Aí estaremos todos no
dia 30, e com tantos professores na família, faremos certamente um comício
caseiro, para aliviar o cheiro desta “coisa” do ensino atual, sem c, viva o
desacordo acordado.
Pelo sim pelo não, e
se não te importares, levo a marmita para trazer alguma sobra da festa pois
logo na segunda-feira, começa a primeira semana nómada do mês de Dezembro.
Vida de professor.
-Bela coisa!
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