miércoles, 27 de mayo de 2020

MARGENS DE UM RIO VIOLENTO / CAPÍTULO 35 / OFERTA DE LEITURA





35.

Entrara já sem receios a noite. Tudo estava adormecido. O monitor de serviço ao primeiro piso ressonava prazenteiramente. Os rapazes meio destapados, pernas caídas das camas, sonos soltos, sonhavam com heróis e gaivotas.

Apenas dois estavam acordados esperando a totalidade da noite e do silêncio.

- Estás pronto?

Os rapazes deslizaram das camas, passaram ao corredor de mãos dadas entre a aventura e o medo. 

Frente à porta do quarto vazio de Sérgio, pararam.

- O professor ainda cá não dorme. Anda, descemos pela janela do quarto dele.

Entraram os dois no quarto e fecharam a porta.

- Podes acender a luz, mesmo que o monitor veja luz por baixo da porta não se atreve a dizer nada, porque pensa que é o “profe”.

Popular olhou para a mala aberta e com as camisas ainda alinhadas sobre a cama, depois para Chico Orelhas:

- Não lhe tocamos. Até ver, o “gajo” não parece chato, até deu tabaco à malta.

- Engraçado pá, parece que conheço aquele sacana de qualquer lado…

- Deixa lá isso. O que é que fazemos agora? Aonde vamos?

- Fazer uma visita ao quarto do Director que está de fim-de- semana.

Popular abriu a janela do quarto e saltou para o alpendre. Chico imitou-o. Já na rua correram com as sombras para o bloco da Direcção. 

Treparam a janela. 

Partiram o vidro e entraram.

- Sacaste os fósforos na cozinha?

- Estão aqui.

- Acende um.

Uma luz ténue iluminou o local.

- É aqui que o labrego dorme. Olha está ali uma vela.

- Porra! Queime-me. Onde é que está a vela?

Sobre a mesa de cabeceira do quarto do Director estava uma vela que logo foi acesa.

Chico Orelhas disse baixinho:

- Se os “gajos” sabem que nós aqui estivemos…

- Vão saber que cá esteve gente – disse Popular – mas daí até saberem que fomos nós… - e com um esticão tirou a roupa da cama e atirou com ela ao chão.

Chico abriu a gaveta da mesa de cabeceira e exclamou admirado:

- Franco, está aqui uma pistola.

O Popular pegou nela. Observou-a.

- Está carregada.

- O sacana tem medo de nós e à noite dorme com esta merda… carregada. Seria capaz de nos dar um tiro?

Abriu a porta debaixo da mesinha, tirou o bacio, urinou nele e atirou a pistola lá para dentro.

- Também tenho vontade – abriu as calças – cá vai disto.

Depois ataram as peúgas que estavam na gaveta umas às outras e penduraram-nas do candeeiro do tecto.

- Chico, olha o que aqui está!

- Camisas de vénus?

- Mas p´ra qué c´o gajo as quer? Quem é que aqui dorme com ele? Estas vou eu levá-las.

Guardou o pacote de preservativos no bolso das calças.

- Vamos tirar os quadros das paredes e as roupas do roupeiro.

Quando o quarto estava em desalinho, Popular tirou o fio de prata do bolso, olhou para Chico e sorriu.

- Mas isso é o fio do Pirata.

- Também tu o conheces. Toda a gente o conhece – e deixou cair o fio de prata junto de um dos pés da cama.

Só aí Chico Orelhas percebeu tudo e satisfeito disse:

- Vamos embora, está tudo feito.

- Tudo ainda não. Mas já não é aqui. Vamos embora.

Saltaram para o chão deixando a janela aberta. Atravessaram todo o pátio. Treparam ao alpendre e entraram pelo quarto destinado a Sérgio que ainda se mantinha com a luz acesa.

Depois, pé ante pé, dirigiram-se para a camarata onde perto da cama do Pirata o Franco disse ao Chico:

- Vai além e tira o saco que está debaixo da cama do porco, com cuidado não vá ele acordar.

Chico, deslizando, apanhou o saco do Pirata, abriu-o e Popular tirou do bolso o pacote dos preservativos e atirou-o lá para dentro. Tornaram a fechá-lo e meteram-no novamente debaixo da cama do Pirata.

Deitaram-se depois calmamente e ficaram em silêncio a olhar o tecto.

Anicharam-se mais nas suas camas.

Puxaram as cobertas.

Chico Orelhas disse baixinho:

- Franco, agora sim está tudo pronto – e ambos comprimiram as bocas contra as almofadas, tal era a força das gargalhadas que teimavam em sair contra o silêncio.

- Morde a língua!!

E ambos com a língua entre os dentes, oprimindo o riso e o nervoso, esperaram o amanhecer.

                                                                               (...)

in Margens de um Rio Violento
Publicado por Filigrana Editora.

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