viernes, 10 de octubre de 2014

A MINHA CASA E A MINHA ESCOLA - Clarinha


(Não sei o dia de hoje, mas sei que é Outubro)

Que chato anda o meu pai, por Deus. Anda irritadiço e leva o dia a falar de um coelho.  Raios parta o coelho para aqui, raios parta o coelho para ali. Ontem à noite soube que o coelho era uma pessoa e por isso mesmo, vou passar a escrevê-lo com letra grande porque a minha professora do ano passado disse-me que os nomes das pessoas se escreviam com maiúscula. Quando disse ao meu pai que o coelho dele passava a ser Sr. Coelho por ordem da minha professora do ano passado que era quem sabia de gramática, pelo menos fazíamos fichas todos os dias para os exames, ele disse-me que isso era para as pessoas, mas que este coelho não era homem não era nada, e só por causa dele, estávamos como estávamos. A minha mãe não gostou que o meu pai me dissesse aquilo e gritou-lhe da cozinha:
- Américo, deixa-te dessas coisas que a criança não entende.
Pensa a minha mãe que eu não entendo, mas está redondamente enganada. Sei muito bem que desde que se ouve o nome do Sr. Coelho cá em casa, passou a haver menos fiambre e a comerem-se mais torradas com manteiga primeiro e com margarina vaqueiro depois. Também sei que desde que o Sr. Coelho passou a ser falado cá em casa, o meu pai deixou de nos comprar prendas no Natal e nunca mais fomos de férias que já nem me lembro como é a praia e os meninos da minha escola comem na cantina também nas férias, nos sábados e nos domingos. E também sei que o Sr. Coelho tem um primo, ou alguém da mesma família que se chama Crato, que não sabe nada de contas, mas que era muito bom em matemática e por isso foi para ministro e que por isso eu ainda não tenho professora da segunda classe como diz o meu pai embora eu lhe diga sempre do segundo ano. Eles lá fingem que está tudo bem para os nossos pais não saberem e mandam-nos professores suplentes para nos guardarem, mas não para nos ensinar. Este ano já tive três e uma delas era professora do ensino secundário, do liceu, vamos, e a pobre passou as passinhas do Algarve. Eles pensam que isto de dar aulas aos gaiatos é coisa fácil e toda a gente o pode fazer.
Os adultos não têm razão em dizerem que por causa do Sr. Crato, amigo do Sr. Coelho, os meninos não têm professores na escola, pois pelo menos na minha, já tive três, mas nenhum deles sabe os nossos nomes de memória, e tratam-nos por "tu aí", razão porque sabemos que não é o nosso professor de verdade mas alguém, que nos guarda para os nossos pais poderem trabalhar e os seus patrões não começarem a refilar. Os nossos pais também refilam, mas porque são eles que ouvem o refilar dos chefes deles no trabalho.
Aqui em casa, agora há mais gritaria. Toda a gente ralha e até a minha irmã mais pequena se atreve a dizer que não gosta da sopa. A minha mãe diz que qualquer dia se rende, mas eu penso que já se rendeu e não acredita que o Sr. Coelho e o Sr. Crato saiam tão depressa cá de casa.
É nestas alturas, que tenho muitas saudades da casa da minha avó. Pena que também ela já não tenha tantas coisinhas boas no frigorífico, miminhos, como o bolo de noz que nunca mais fez. A minha mãe pensa que eu não sei, mas eu sei muita coisa que não digo, mais do que ela pensa e por isso até sei que é por causa do Sr. Coelho e do Sr. Crato e de outros senhores e senhoras que não sei o nome, mas que são da família deles, que o meu pai se vai embora. Também sei que quando eles forem embora também, e os que forem para o seu lugar não forem iguais a eles, o meu pai  volta e poderei comer fiambre, ter prendas no Natal, ir à praia e comer bolo de nozes em casa da minha avó. Eu pensava que o bolo de nozes que a minha avó tinha sempre e agora deixou de ter, era porque Deus dá nozes a quem não tem dentes e ela agora tem uns dentes postiços, mas não, agora já percebi que o problema são de outros dentes que não os da minha avó, os dela só trabalham de dia que à noite estão no copo, os outros é que comem de dia e de noite. 

Clarinha

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