31 de Outubro de 2014
Uns senhores da televisão foram à minha escola. Fizeram muitas perguntas aos meninos mas as respostas eram sempre iguais "sim" e "não", porque os meninos e as meninas da minha escola são muito envergonhados. Os meninos e as meninas que aparecem na televisão espanhola, que nós aqui vemos mais do que a portuguesa, falam pelos cotovelos. Se estamos aqui tão perto, porque é que eles são menos envergonhados? Pus-me a pensar e acho que sei porquê, porque a minha prima Pilar é espanhola e eu conto-lhe coisas da minha escola e ela a mim da escola dela, e na escola dela eles falam mais e nós aqui somos mais barulhentos. Ela diz-me que na escola dela, pintam, cantam, trabalham em grupo e fazem teatro. Eu na minha escola não pinto, não canto, estou todo o dia numa mesa com dois lugares, todos em fila, como na missa, e teatro, só sabemos o que é quando algum menino chora porque não sabe a tabuada e a professora lhe diz:
-Não estejas a fazer teatro!
A escola da minha prima é mais alegre e os meninos não inventam dores de barriga para não ir.
Na minha escola não há teatro, nem danças, nem cantigas, nem muitas vezes papel higiénico, mas sabemos muito bem fazer contas e ler, e os livros têm cores feitas por outras pessoas.
- Não há teatro na tua escola Clarinha? Então ainda no Natal entraste no grupo da poesia...
Respondi à minha professora que sim, mas foi só para ela ficar contente, mas cá para mim, sei que não há, aquilo que eu fiz no Natal, faço todos os anos, é decorar uma poesia com pastores, ovelhas, reis magos e anjinhos e depois dizê-la no microfone, mas sei que isso não é teatro.
Na escola da minha prima aprende-se sempre com alegria porque a escola é uma festa.
Se os senhores da televisão falam tão bem, é porque na escola deles havia teatro e canções e variedades e tinta e pincéis e fantoches e por isso não têm vergonha de falar. Os senhores do governo, também não têm vergonha, pelo menos na cara como diz o meu pai, e por isso também falam muito bem mas querem-nos calados para aprendermos quando formos grandes a ouvir com atenção o que eles dizem, que é a maneira mais fácil de fazer como eles querem e não de fazermos como nós pensamos, porque já não sabemos pensar.
O meu pai disse-me que a escola em Portugal há uns anos, não muitos, era como a escola da minha prima e que os meninos e os professores eram todos felizes e até faziam assembleias de escola com delegados de turmas eleitos enquanto agora levam faltas por irem a manifestações por não terem professores.
Acho que nasci atrasada e por isso querem que pertença ao grupo dos "sins" e dos "nãos".
Nasci atrasada, disso não tenho culpa, mas não quero ficar atrasada a comparar com a minha prima Pilar, por isso, quer lhes goste quer não, falo e canto, e faço danças no recreio com as minhas amigas com as musicas da Violleta, que tirando isso só temos o avô cantigas que é já avô de verdade e um professor gordo com uma viola que canta bem mas toca muito mal e desenhos, em casa, com as minhas irmãs. Lá na escola não podemos, porque temos muitas fichas para fazer, todos os dias, de português e matemática para os exames que vêm de Lisboa no final do ano, guardados pela Guarda Nacional Republicana, porque são muito importantes.
Gosto de imaginar e de inventar, e de aprender brincando que é a maneira mais fácil de aprender.
O que mais me preocupa é que eles não vejam que só tenho oito anos e se não me dão tempo de inventar agora, nunca pertencerei a um país de inventores e eu, quando for grande quero ser escritora e cientista e nunca vi um cientista sem imaginação nem um escritor que na escola só tenha feito cópias.
Não me compreendem?
Felizmente que os meus pais e irmãs mais velhas, sim, senão, já tinha perdido a esperança como a minha avó que toma comprimidos para dormir.
CLARINHA
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