domingo, 16 de septiembre de 2012

RETRATO DE UM VELHO DA MINHA TERRA NO MEU TEMPO



 Escorria-lhe do canto da boca, baba viscosa que lhe molhava a beata curta, apagada, enganadora do vício que teimava em enganá-lo.
Nunca vi mãos que tremessem tanto, mas as palavras eram seguras, directas, eram palavras com força, contendo uma história em cada letra.
- Sabe , Senhor? Nasci aqui, no Alentejo, ainda fui à escola, sim senhor. Pouco tempo, mas fui.Conhece a Rosa do montado? Namorei-a nove anos!... antes de conhecer a minha patroa. Andámos juntos na escola. O pai dela era merceeiro, uma profissão muito boa naquela altura. Tirou a quarta classe e foi estudar para a cidade. Hoje é professora. Mas, namorei-a nove anos, sim senhora! É que sabe? Ela nas férias vinha à aldeia, e eu... gostava dela, naquela altura... coisas de gaiatos... (sorriu) era bonita, muito bonita mesmo. Depois, a cidade subiu-lhe à cabeça, começou a dar aulas aos cachopos e conheceu um qualquer desses das Finanças, que lhe deu um carro, uma casa... encheu-lhe a barriga.
Eu não podia, tirei só a terceira classe. Andava pelo campo a guardar catorze ovelhinhas. Ganhava um tostão por dia.
Hoje, ela é uma senhora fina, dona do montado.
Se calhar já se nem lembra de mim. Nem me olha na rua.
Coisas de crianças, sabe? Coisas de crianças...
                                                                                                                                   AM
1999
in- Retratos Esquecidos de uma Velha Gaveta ( na gaveta)

No hay comentarios:

Publicar un comentario